Capítulo 1

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Estou sozinha. Minha cabeça vazia.
Minha casa está com todos os seus moradores presentes, mas eu estou sozinha. Em casa.
Por incrível que pareça, por mais que eu fale, não sou compreendida.
A casa está com sua alegria habitual e eu estou no cinza de mim mesma.

***


A filha mais nova, Isabela, contando todas as suas realizações escolares. A filha mais velha, Ingrid, adolescente, no seu mundinho paralelo virtual, alheia a tudo e a todos. O marido achando ou se enganando em achar que está tudo ótimo: comida pronta na mesa, casa limpa, filhos saudáveis, a mulher... estudando? com dor de cabeça? Escrevendo? Dormindo? Ah, sim: no quarto fazendo alguma coisa.
—Oi, tudo bem? — Marcos me diz assim que chega e ao abrir a porta do quarto.
—Tudo.
—Ok! Cheguei, tá?
—Tá. Já está tudo pronto. Quando quiserem jantar é só avisar.
—Daqui a meia hora. Pode ser?
—Claro, querido. Pode tomar banho que já vou esquentar o jantar.
Eu deveria estar contente, certo? Minha família está em casa, todos estão saudáveis. Acontece um probleminha ou outro, mas, no fim, fica tudo bem. Então, por que estou assim? Ninguém me vê. Ninguém percebe. Não há nada normal. Às vezes acho que estou pecando por me sentir tão inconformada. Eu deveria estar muito feliz.
Mas o fato é que não estou. Tem algo dentro de mim que precisa de mais e não é de conforto que estou falando. Uma emoção a mais, um desafio, uma conquista. Na verdade, eu quem preciso ser conquistada. Sentir o gostinho do flerte, do coração batendo forte. É diferente de ser bem tratada, pois sou muito bem tratada. Eu preciso ser olhada como um bem precioso e desejado. Preciso ouvir o quanto estou bonita ou cheirosa. Preciso me sentir viva!
Porém, não posso jogar tudo para o alto e, então, entro no meu campo cinza. Satisfaço-me com os finais felizes dos mocinhos e mocinhas dos livros que leio, desejando ser eu a amada, fantasiando Marcos se tornando um dos mocinhos: que me deixe suspensa no ar, me pegue de jeito e me ame como se não houvesse amanhã.

***

Tenho uma amiga que, na verdade, é minha irmã de alma, a Carla. Ela é extrovertida, linda por dentro e por fora. Sua pele é clara, com cabelos cacheados castanhos claros, olhos castanhos, corpo magro mas curvilíneo, o que chamamos de falsa magra. Ela sempre me diz que, por mais que respeite a minha família demais, acha que eu preciso viver algo mais intenso do que a vida que tenho vivido. E que Marcos é um egoísta.
—Ah, sim! Falou a senhorita fogo-entre-as-pernas. O que seria viver algo mais intenso? – pergunto ironicamente a minha amiga enquanto passo um café para nós.
—Lisa, deixa de ser idiota! Mas adorei o nome que você me deu. É isso mesmo que eu sou e te conheço o suficiente pra dizer que você também é assim.
—Aham...
—Lisa, por favor. Dê mais emoção a sua vida. Nem você nem sua família merecem esse marasmo. Todo dia é a mesma coisa. Você nunca gostou de rotina, Lisa.
—Carla, querida, me entenda. Eu não gostava de rotina quando era adolescente, quando mais jovem. A idade de que tudo é mais intensidade, fogo e paixão já passou. Hoje quero e gosto de viver assim.
—Lisa, você quer enganar a quem?  Poupe-me do seu discurso de que está velha pra viver uma vida intensa!
—Pelo amor de Deus, Carla, eu tenho 36 anos. Minha família é linda, está tudo sob controle. Somos estáveis financeiramente e nos amamos.
—Acredito em tudo isso menos na parte “está tudo sob controle”. Não está. Você não está bem. Você ama o Marcos, mas será que é o mesmo amor que te impulsionou a casar com ele? Você se acostumou com ele, parece que só há companheirismo. Mas cadê o tesão?
—O que você quer dizer?
—Será que você não vê isso? Toda vez que te vejo parece que está sendo mal comida. – Como uma pessoa pode me conhecer tanto assim? Não é só sexo, mas a falta dele está influenciando demais nosso relacionamento.
—Tudo pra você se resume a sexo. Pare com isso!
—Não se resume. Mas entre marido e mulher deve haver, né? Se não houver vocês se tornam amigos.
—E quem disse que não há sexo entre mim e o Marcos, senhorita vidente?
—A sua cara-de-pau sem o brilho de uma noitada gostosa. Ah, Lisa! Por favor, né? Eu fico até triste por tamanha falta de confiança em mim. Sempre contamos uma com a outra. Nos conhecemos há anos. Sabemos quando não estamos bem só em nos olharmos. Mas tudo bem. Se não quiser falar eu respeito.
—Vamos parar com isso, tá? Chega! Não há nada pra falar. Aliás, há sim – olhei pra ela sugestivamente.
—Ahá! Agora vai jogar pra cima de mim, fugindo do confronto!
—Já se resolveu com Henrique? – Henrique é seu “namorido”.
—Aff! Nem me fale. Não resolvi e estou pouco me fodendo pra ele. Tenho que te contar uma coisa...
—O quê?
—Hum...bolo gostoso!
—Anda, Carla, o que é?
—Entrei em uma sala de bate-papo virtual e conversei com muitos gatinhos. Virou vício. Não quero outra vida. Pronto, falei!
—Como é que é?! — Segurem-me porque estou embasbacada!
—É de tirar o fôlego, Lisa. Estou fazendo muito sexo virtual. Uau! —Comecei a gargalhar.
—Quer dizer que você está falando da minha vida pacata e fazendo sexo virtual? —Provoquei-a. —Ah, Carla, faça-me o favor!
—Lisa, é muito bom, cara! —Mas é muito cara-de-pau essa minha amiga. —A gente pode ser quem a gente quiser. Dizer que está fazendo coisas que nem se está fazendo. E a gente pode fazer sexo com quem a gente nem conhece. Muito divertido! —E riu bastante. E eu? Bem, eu fiquei super envergonhada e pasma com tamanho absurdo.




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