Alguém conseguiu dormir aí? Porque euzinha não preguei os olhos. Muitas responsabilidades, como fazer a mala milhares de vezes. Colocar e recolocar roupas, lingerie, maquiagens, sapatos...
Pra falar a verdade, estou menos preocupada com o seminário e muito mais preocupada em como vou me vestir pra Hugo. Se eu for mais sincera ainda, e se eu for até o fim, vou ter uma noite de sexo com o homem que me esquenta há meses. Que acelerou meu coração novamente. Então, sim, estou preocupada com qual roupa, qual lingerie e qual par de sapato vou colocar.
Acordo bem cedo e logo acordo as meninas para tomarmos café e deixá-las na casa de mamãe. Minha mala já está no carro e as mochilas das meninas também. Então, nos sentamos para nosso desjejum. Fico olhando pra elas, de maneira nostálgica, e penso como cresceram. Como elas têm mais do que eu tive. E não digo somente pelo financeiro, mas pela qualidade de vida. Agradeço a Deus em silêncio por essas duas vidas que me iluminam e sou interrompida pela pergunta brusca de Isabela:
—Mãe, você e o papai vão se separar? —Como assim que ela sabe?
—Por que você tá me perguntando isso, gente? De onde você tirou isso?
—Ah, sei lá. Vocês nem se falam direito. Às vezes eu e minha irmã ouvimos vocês brigarem. Não tem a Brenda da minha sala? Ela disse que os pais dela se separaram e começou desse jeito aí.
—De qual jeito, Bela. Você conversou com sua amiguinha a respeito?
—Uhum. E ela falou que eles começaram a brigar de repente. Ela ficava ouvindo as brigas às vezes, aí eles pararam de conversar, não comiam na mesma mesa mais. Até que veio o dia que o pai dela foi embora. —Eu estou de boca aberta por causa da riqueza de detalhes. A única coisa que a Brenda se equivocou é que nunca é ‘de repente’ que as coisas mudam.
—E como ela está, filha?
—Ela está benzaça. Disse que agora tem duas casas e dois quartos. E que os pais nunca mais brigaram e estão felizes.
—Filha, quando mamãe voltar da viagem podemos voltar a conversar sobre isso?
—Xiii... então vão se separar... —Comenta Ingrid. Parece que as tentativas de esconder os perrengues não deram muito certo.
—A gente precisa se apressar. Eu posso chegar atrasada no aeroporto.
—E o papai? Não dormiu em casa? —O que eu vou dizer a uma adolescente que enfurna a cara no celular pra tudo e finge que não percebe nada? O que eles esperam é a verdade, não é?
—Filha, de verdade, precisamos ir. O que posso adiantar a vocês é que as coisas não estão nada bem. Desculpe se não falei antes, pensei que as coisas poderiam melhorar. Pensei também que vocês não perceberiam. Vejo que são muito espertas e inteligentes e estou super orgulhosa disso. Não deixem ninguém tirar isso de vocês, ok?
—Ok! —Resposta de ambas.
—Beleza. Vamos nos organizar pra sairmos. Quando voltarmos, teremos esta conversa. Se o papai não quiser participar, então, conversaremos nós três.
—Ah tá! Duvido que o Marcos Cordeiro vai parar pra conversar com a gente sobre problemas. Sem essa, mãe!
—Ok! Vão se organizando enquanto tiro a mesa do café.
Disso a Ingrid tem toda razão. Ele não vai querer falar sobre problemas. Filhos podem ver o que achamos que não veem.
Levo as meninas para casa de mamãe bem cedinho. Deixo o meu carro lá e peço um Uber para me levar até o aeroporto.
—Mãe, obrigada por tudo, tá?
—Nada, filha. Deus abençoe esta viagem e te proteja. Coma bem, tá? Nada de ficar escrevendo e lendo e esquecer de se alimentar. E volte cheia de novidades. —Com certeza vou voltar com novidades, mas estas eu não terei coragem de contá-las.
—Obrigada, mãe, e amém!
—Tá com carinha de preocupada. O que é?
—Ah, sei lá. Tantas coisas. É o Marcos. Medo de ir pra São Paulo.
—O que o Marcos fez?
—Nada, mãe. Mas não estamos nos entendendo. Parece que tudo está ruindo. Mas na volta conversamos.
Me despeço das minhas três pessoas preciosas e entro no Uber. Estou suando frio, tamanho é o nervoso. Cara, eu vou me encontrar com Hugo. Eu quero me encontrar. Sem forçação de barra, mas só de pensar que terei momentos íntimos com outra pessoa que não seja meu marido eu morro. E se eu me apaixonar? E se não conseguir segurar a barra de gostar dele? Mas lembro novamente de Carla dizendo sobre me arrepender do que não fiz. Envio uma mensagem pelo whats App pra ela, dizendo que estou a caminho do aeroporto e que quando chegar em São Paulo ligo pra ela. A esta hora ela deve estar acordando ou ainda dormindo. Então é o momento de refletir mais um pouco.
Agradeço a Deus por minha mãe. Só tenho ela. Meu pai abandonou minha mãe quando descobriu que ela estava grávida. Naquela época, não existia a lei que respalda os filhos sobre pensão alimentícia. Então, ela trabalhou duro pra eu ter comida na mesa e dignidade no peito. Com muito suor, custeou meus estudos e eu sou grata a essa mulher cheia de fibra. Se caso eu me separar de Marcos, não serei discriminada nem julgada por ela. Ela me dará apoio. Eu só não quero que ela sinta esse peso.
Anos mais tarde conheci meu pai. Que homem! Ele ainda é muito atraente. Eu o olhei e me vi: olhos, mãos, traços do rosto... tudo muito parecido. Com o tempo, quando começamos a nos relacionar, vi o quanto do temperamento dele herdei. Eu o perdoei. Ao longo da vida, fazemos escolhas, ora certas ora erradas, ele fez a escolha dele, minha mãe fez a dela. Alguma coisa saiu do controle. Mas, quem sou eu para julgá-los? Demorou alguns anos para atingir essa maturidade até que consegui.
Minha adolescência não foi tão difícil assim: fui cercada de amigos. Alguns permaneceram, como a Carla. Não passei fome graças à competência desta mulher maravilhosa chamada Nazareth Mendonça. Tive necessidades de uma filha que não tem o pai por perto, mas sempre tive boas vestimentas, bons perfumes, bons sapatos, festas de aniversário... minha mãe conseguiu. Se algo acontecer no meu casamento, será mais fácil pra mim.
É com esta certeza que saio do Uber em direção ao aeroporto. Pego minha mala, arrastando suas rodinhas no chão. Mudo de ideia e ligo antes de chegar em São Paulo pra maluca que deu força pra eu estar aqui:
—Oi, vaca! Não acordei ainda. Me liga depois.
—Não vou poder te ligar depois. Estou no aeroporto indo pra São Paulo. Só liguei pra avisar.
—Ah, meu Deus! Isso, amiga. Vai mesmo. Queria ir junto... mas dessa vez você tem que ir sozinha. As meninas?
—Na casa de mamãe.
—Ok. Mais tarde passo lá.
—Tá, amiga. Obrigada. Estou indo morta de medo. Deixa-me desligar que vou agora enviar uma mensagem pra Marcos que, diga-se de passagem, não dormiu em casa.
—Oiii? Como assim? Ele foi pra onde?
—Não sei. Não quero saber também. Não agora.
—É um fanfarrão, né? O que te resta é curtir bastante. Dar bastante essa xoxota que está com teia de aranha. —Fala gargalhando.
—Tá bom, Vaca. Até mais tarde.
—Quero conhecê-lo. —Desligo o telefone. Antes de embarcar, mando uma mensagem pra Marcos.
Lisa: Bom dia. Já estou indo pra São Paulo. Deixei as meninas na casa de mamãe.
Marcos: Ok. Ligo mais tarde pra saber como elas estão. Boa viagem. —Respondeu Marcos uns cinco minutos depois.
Lisa: Obrigada. Fique bem. A noite deve ter sido boa, né?
Marcos: Não começa, caralho!
Lisa: Olha a boca! Tchau.
Me assento, desligo o celular e fecho os olhos. A viagem vai ser curta. Uns cinquenta minutos. Não vou conseguir cochilar, pois estou uma pilha. Então, continuo a fazer uma retrospectiva da minha vida.
Quando conheci o Marcos estava estudando para o vestibular. Eu era muito romântica, como ainda sou. Às vezes gostaria de ser um pouco mais prática como a Carla...
Sempre quis lecionar, embora sempre tive o espírito empreendedor. Portanto, passei pra Pedagogia, sempre atuei como professora, como aquela que influencia diretamente nas vidas. Esse sempre foi meu objetivo. Muitos alunos passaram por mim. Eu lecionava em duas escolas de porte grande. Trabalhava nos dois turnos, depois assumi a coordenação pedagógica de um pré-vestibular. Com o tempo, chegaram as outras responsabilidades, como ser esposa, dona de casa e mãe, e eu tive que diminuir minha carga horária. Passei a dar aula só no turno da manhã e a coordenar o pré à noite.
O Marcos sempre foi o cara prático. Estudou Ciências Contábeis e atua como contador de várias empresas. Ele sempre foi um apaixonado pelo trabalho, sempre se dedicou muito. E eu sempre o admirei. Por não ter tido a figura paterna ao meu lado, não tive muitos parâmetros, mas entendi que tirei a sorte grande por ele ser um cara tão trabalhador, tão apaixonado por tudo o que faz e tão dedicado a mim. Sempre muito dominador, as coisas tinham que ser feitas como ele queria. É o típico homem que nasceu pra mandar. Assim que terminou a faculdade, formou sociedade com um amigo e tiveram sucesso.
Nos casamos jovens. Eu, aos vinte anos e ele, aos vinte e três. Já trabalhávamos, eu como professora auxiliar e ele como funcionário em um escritório de contabilidade e outras assessorias empresariais. Fazíamos faculdade e trabalhávamos, como muitos brasileiros pobres.
Logo que nos casamos, tivemos uma discussão: ele queria que eu abrisse mão do turno da tarde e deixasse de coordenar o pré-vestibular. Eu não queria abrir mão do meu trabalho. Era jovem, poderia dar conta da casa e do trabalho. Até que entramos no acordo de eu não mais trabalhar no turno da tarde. Então fiquei com o turno da manhã e da coordenação à noite. Mas logo depois brigamos novamente, até que tive que abrir mão da coordenação do curso. Fiquei só com o turno da manhã.
Já estávamos organizados com essa mudança. Eu cada vez mais em casa, cuidando da casa, até que ele quis que eu engravidasse. Mais uma discussão. Eu não queria engravidar tão nova. Queria terminar a faculdade e dar todo o meu gás nas escolas. Era isso o que queria. Mas entramos num acordo e eu aceitei engravidar. Foi uma gravidez tranquila, sem problemas, o Marcos queria que eu abrisse mão do turno da manhã e, enfurecida, disse que não. Ele recuou. Veja bem: amo minha filhota, as duas, mas com a mente romântica que tive, com medo de estragar meu casamento, eu sempre abri mão. Meus ‘nãos’ eram uma vez ou outra que dava. Se era para o bem geral do casamento eu sempre dizia sim.
Mas hoje entendo que fui muito mais persuadida, do que apta a dar uma opinião minha de verdade. Um pouco boba, carente demais, emocional demais, romântica demais, idealizei a família perfeita. O resto você já sabe.
Mas parece que algo me veio à realidade agora, ‘caiu a ficha’: eu sempre fui seduzida de maneira geral para o querer do Marcos, manipulada, talvez seria a palavra certa. É por isso que Carla implica com Marcos. Minha mãe o ama, mas sempre dizia no início pra eu não alimentar os caprichos do Marcos. E foi isso que fiz: alimentei todos os seus caprichos. Até agora. Até nunca mais.
Desço do avião, fervendo de raiva de mim, prometendo pra mim mesma que nunca mais vou deixar alguém me manipular pra seu próprio bem. Decido pegar qualquer boa oportunidade que vir. O casamento já acabou, não é mesmo? Caso contrário, não estaria aqui com a mala cheia de lingeries provocantes pra seduzir outro homem. Minhas filhas estão bem criadas. Então, neste dia que se chama hoje, pisando as terras de diversidade cultural de São Paulo, decido uma coisa, e só uma coisa: tomar das mãos de outros o poder da minha vida, que eu mesma dei.Olá! Tudo bem??
Como foi de Carnaval?
Estou de volta com mais um capítulo...
A Lisa ainda está confusa e, agora com essa viagem... O que a aguarda? Qual será a escolha que ela irá fazer?
Ao mesmo tempo que ela quer se libertar do seu casamento falido, ela quer viver novas aventuras. Certo ou errado?Lembrando que meu insta é
@autora_bialopes
E meu face é Bia LopesBjss
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Dona de Mim - Livro 1
RomanceLisa é uma esposa, mãe e profissional. Porém, após um casamento falido se anos e deprimida, será necessário romper com o passado, se reinventar e reviver, tomando as rédeas da própria vida. Para conquistar o status "Dona de Mim" serão necessários ri...