Táxi

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Estou em choque, milhões de pensamentos invasivos corroem minha mente. Não sei se fujo ou se fico, não sei se permaneço ou me liberto.
Meus olhos lacrimejam sem que eu possa impedir. Meu coração bate tão rápido e forte que me sinto como o sino da igreja. Dos meus lábios escorrem sangue, tão vermelho quanto os céus do inferno, me pergunto se é para lá que eu vou se não fugir agora.
Isso me lembra aquele trecho daquela música do Nirvana, lake of fire:

"Para onde vão as pessoas más quando morrem?
Elas não vão para o céu onde os anjos voam
Elas vão para o lago de fogo e fritam"

O tílindar do moinho de chaves na minha mão me trazem de volta a realidade.
— E então?— sua voz grave e assustadora me fez precionar a caixa em minhas mãos na minha barriga—Não vai nos responder?
Eu até que queria—mentira— mas não consigo nem abrir minha boca, e se abrisse, sairiam urros e não palavras.
Me pergunto se o exército de paletós à minha frente é real, sim ele é.
Meu coração está desacelerando conforme me acostumo com as figuras que me encaram, não fosse pela voz grave que veio do paletó no centro, eu talvez—eu disse talvez—pudesse me considerar calma e correr.
Ele levantou uma das mãos.
— Deixem que ela vá, eles nos levarão direto para ela.— Se voltou para mim, e disse com a voz mais alta, a expressão agora paciente, como se quisesse que eu esquecesse que à alguns segundos atrás era ameaçadora. — pode ir criança, a porta está logo atrás, e as chaves nas suas mãos.
Olhei para minhas mãos como um reflexo.
Dei passos para trás, ainda olhando para eles, não vou dar as costas para o inimigo.
Ele me encara ansioso para que saía, da para ver a avidez em seus olhos.
Esbarrei na mesa logo atrás e corri entre os corredores até a porta, quando já estava longe, me virei para frente.
Há poucos passos da porta não precisei usar as chaves para abri-la, ela já estava destrancada, apenas um leve puxar na maçaneta e pude contemplar a escuridão se dissipando na névoa e chuva.
Antes de sair, lutei contra a vontade de olhar para trás e ver se haviam me seguido. O medo venceu a curiosidade e fechei a porta atrás de mim.
Está chovendo, tão forte que mal consigo enxergar os portões da mansão. Apertei mais a caixa em meu corpo quando senti um leve arrepio na espinha, alguém está atrás de mim. Tive a impressão de que se não corresse dali uma mão peluda e sangrenta me puxaria de volta. Então corri, corri o mais rápido que pude, entre as quedas que tomei e a lama que engoli, cheguei até o portão principal. Não fosse os faróis ligados do outro lado não o enxergaria, puxei o portão, o metal gelado e molhado agrada meu tato.
Me pergunto se o táxi estacionado à minha frente me espera, seria coincidência demais. Fico encarado e tento ver quem está do outro lado da janela, sem sucesso pelo vidro escuro. O taxista buzina e percebo, esse táxi é meu.
— Abri a porta e entrei.

Os segredos que os mortos não te contamOnde histórias criam vida. Descubra agora