Ossos

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Permaneço imóvel com os dedos firmes nas bordas da caixa.
Victor ainda tem seu braço estendido, ele me olha com um olhar entediado. Consegue ver o medo em meus olhos ,mas mesmo assim não se importa.
Volto à realidade quando ele balança a chave, ela está ensanguentada, mas tem tanto sangue que não parece ser de suas mãos, me pergunto onde ela esteve.
Não estou com nojo de pegá-la, estou com medo.
Mesmo assim, com as mãos trêmulas pego a chave e a aperto na palma da minha mão, gosto da sensação que objetos gelados causam na minha pele.
Lembro que estou sendo observada, ele até pode achar que sou louca, mas não fui eu quem entrou sujo de sangue no carro.
viro a fechadura da caixa para mim, encaixo a chave e a giro duas vezes. Arfei com o barulho metálico da trava se abrindo. Se eu soubesse alguma oração a faria agora mesmo.
Pensamentos como: e se quando eu abrir tiver uma arma apontada para mim, invadem minha mente. Victor também parece ansioso para saber o que tem dentro da caixa, ou talvez só esteja ansioso para ver meus miolos espalhados pelo táxi.
Fechei os olhos com força, e levantei a tampa da caixa, contei até cinco e a abri.
Ossos....
Suspirei, e Victor se aproximou.
—E então? O que tem?
— Ossos— falei tão baixo que deduzi que ele não escutou, então virei a caixa para ele.— De quem são?
— De Ridley— ele cospe as palavras com naturalidade, talvez essa não seja a coisa mais assustadora que tenha visto essa noite.
— Você conheceu ele?
Victor me fita novamente.
— Não. Mas me disseram que você sim!

                             .......

Normalmente o norte de Minas não é tão chuvoso. Nossos dias são marcados com raios de um sol que parece morar na cidade. Mas essa manhã está sendo diferente, absolutamente tudo diferente, não só o dia amanheceu úmido e cinzento, mas também encontro a garrafa de café cheia, talvez tenha esquecido dela ontem.
São 11:34 da manhã, dormi tarde na noite passada, por volta das 04:00 da madrugada. Foi uma noite loga, o Sr Patrick gostou até demais da amante, as quatro horas e meia no Motel quase fora da cidade confirmaram isso. Mas nada que paciência, uma boa câmera, um bom esconderijo e é claro, garrafas de energético não me rendam boas fotos e 300 reais.
Mas não pense que é fácil encontrar clientes nesse ramo, o marketing boca a boca não funciona muito, até porquê, ninguém saí por aí recomendando para aos amigos o trabalho da garota que descobriu seu belo par de chifres.
Cuspo o café, não porquê está velho e frio, mas sim porque está fresco e quente. Meu coração desacelera quando a campainha toca, nunca recebo visitas, principalmente antes dos 12:00, a não ser do síndico do prédio para cobrar o aluguel atrasado mas ele parou de vir quando ameacei cravar a faca e gira-la de um lado para o outro em seus países baixos. Ele pareceu bastante assutado, não pode ser ele, mas mesmo assim a ideia da faca parece ser uma boa. Abro a gaveta e pego a maior faça que encontro, vou em direção a porta em paços curtos.
— Quem é?— pergunto tentando esconder o medo. Sem respostas, odeio quando isso acontece.— Se não responder, não irei abrir a porta.
Já ia ligar para as polícia quando uma voz senil me responde.
— A pessoa que fez seu café.— fico em silêncio por certo momento, oh meu Deus, bebi daquele café, mesmo que eu o cuspi talvez o mínimo contato com minha língua seja o suficiente para me envenenar, posso até sentir o veneno letal se espalhando por todo o meu corpo.— Posso entrar?
— Oh meu Deus é claro que não.
— Por que não?
— Ainda pergunta o porquê? Eu não te conheço.
— Mas é assim que se começar uma amizade, você não se torna amiga de um desconhecido.
— Vai embora.
— Eu tenho uma proposta de trabalho para você.
— Então marque horário e volte outra hora.
— Mas eu marquei, só não te avisei. Sabia que iria demorar no último trabalho então deduzi que acordaria pouco antes dos 12:00, e depois disso iria para rua, encheria a cara e voltaria para casa até passar semanas esperando alguém ligar para lhe pagar míseros trezentos reais por algumas fotos.
— O meu Deus, você está me espionando.
— Para alguém que não acredita, você cita muito o nome dele, não acha?
Desgraçado.
— Já disse, marque um horário e talvez, se eu precisar muito do seu dinheiro eu aceite.
— Então sei que irei voltar.
— O que disse?
— Desculpe, não foi minha intenção ser rude, quis ser bastante prestativo, até fiz um café para você.
— Se fez o meu café por que está do lado de fora?
Ele fica em silêncio, não me surpreendi quando ouvi o barulho da tranca se abrindo, de alguma forma já sabia que aquilo iria acontecer. Dou leves passos para trás, mas ainda permaneço com a faca apontada para a porta. Ela se abre e vejo um senhor quase da minha altura, seus cabelos são grisalhos, daria não mais que oitenta anos, suas roupas são finas, não posso negar, talvez apenas uma de suas luvas pague um ano do meu aluguel.
— Porquê achei que se sentiria mais confortável se me deixasse entrar.
— E não deixei.
— Pois é, às vezes as coisa não são como queremos.
Ele fez uma sinal com a mão.
— Posso me sentar?
Assenti com a cabeça. Talvez ele tenha uma arma no bolso.
Ele se sentou e respirou fundo me fitando com os olhos.
— Não precisa dessa faca, sou apenas um senhor indefeso que está desarmado.
— E que invadiu a minha casa.
— É eu errei, à crimes piores para serem cometidos, dá para parar de tocar nessa tecla?
Analisei a situação por um momento, ele não me envenenou, caso o contrário o veneno já teria feito efeito, mas também, talvez a teoria da arma nos bolsos seja verdade, mesmo que ele tenha dito que não tem uma arma, ele não me parece ser o tipo de pessoa que mente. Mas mesmo assim, não confio nos meus instintos.
Sentei na cadeira à sua frente mas permaneço segurando a faca.
Ele à olha com desprezo e deboche, então pigarreia.
— Está bem, se prefere assim. É até bom que não confie em ninguém.
— De quem quer que eu tire fotos?
— Ah não, assim como você, não confio em ninguém. Então prefiro ficar sozinho.
— Então não tem nenhuma loira 50 anos mais nova que você para eu tirar fotos na cama de outro.— disse com pertinência.
— É, infelizmente não.— ele riu— eu sou sozinho, não tenho nem cachorro se quer saber.
— Então de quem quer que eu tire fotos?
— Não é de quem, é do que.
Curvei as sobrancelhas confusa.
— Quero que tire fotos da minha casa, por uma semana.
— Que?
— Por favor, não pergunte o porquê, é assunto pessoal. Mas quero que saiba que escolhi você porquê se é discreta por míseros trezentos reais, não terei que me preocupar com o valor que irei pagar. E também, se não for, é fácil demais para me livrar.— ele deu uma piscadela para o café.
Saltei da cadeira e corri até a pia da cozinha, enfiei a cabeça debaixo da torneira e gargarejei.
Quando voltei ele já estava de pé.
— Não se preocupe, eu não envenenei o café.
— E se eu não quiser tirar as fotos?
— Eu entenderei perfeitamente, mas é uma boa proposta, aqui está um envelope com o adiantamento.
Colocou o envelope em cima da mesa, não atrevi me aproximar com ele ao lado da faca.
— Eu ainda não disse meu preço.
— E qual seria?
— Dois mil e quinhentos, e você paga o Uber mais os energéticos.
Ele deu um sorriso divertido.
— Está bem, atrás do envelope tem meu endereço, você começa hoje a noite.
Abri o envelope e vi cinco notas de 100.
Antes que pudesse protestar ele já havia desaparecido.
Dei um sorriso de satisfação pelo dinheiro, apesar de ainda estar um pouco receosa. Olhei o endereço na parte de trás, e na caligrafia perfeita feita  com tinta de tinteiro está escrito:
Rua das barracudas, número 14, mansão Ridley.
Droga.

Os segredos que os mortos não te contamOnde histórias criam vida. Descubra agora