Eu estou vagando pelo deserto, sinto o sol queimar minha pele, sinto meu suor evaporar do meu corpo antes mesmo de chegar às minha bochechas, sinto minha garganta seca e minha respiração falha, consigo sentir a areia em meus pés sem nem mesmo está tocando nela. Sinto minha visão turva. Quando olho para o céu e a areia, é o mar que vejo, estou delirando, mas será possível delirar em um sonho, os sonhos não são nossos próprios delírios em si? Ou talvez pesadelos disfarçados da doce ilusão de um sonho.
Dou passos densos, em direção ao infinito mar dourado, à cada passo sinto que fica mais difícil dar o próximo, estou afundando, estou afundando em meus pensamentos, estou afundando no meu passado.
E o pior de tudo, é que não me importo com isso, talvez seja porque é mais fácil voltarmos nossos pensamentos para o passado do que pensarmos no futuro, pois já conhecemos a dor que já vivemos, nada mais nós surpreenderá.
Afundo à ponto da areia cobrir meus olhos, eles não ardem, estendo o braço até a área cobrir a palma da minha minha mão. Fecho os olhos e agora estou no mar, bem no fundo, onde não há mais ninguém, somente eu, sem peixes, sem corais, sem estrelas do mar, somente eu. Isso pode ser reconfortante ou talvez assustador, não importa, eu gosto da sensação. Nado para o sul e para o norte, para leste e oeste, nado em todas as direções, não sei qual é a certa.
Sinto uma sensação estranha, sinto algo molhado entrar nos meus pulmões, tento tampar a respiração mas não consigo. Me desespero e olho para os lados tentando buscar ajuda, tudo parece igual à horas atrás enquanto nadava, talvez nem tenha saído do lugar. Estou sozinho, não consigo gritar, esse é o meu pesadelo, morrer sozinho, sufocado pelo meu próprio orgulho. Tento nadar até a superfície mas quando olho para cima não é o mar azul cintilante e os raios de sol que vejo, eu vejo mais areia.
Tento lutar até o último suspiro, e um, dois, três.
Acordo desesperado, algumas pessoas ao redor parecem notar, torcem o nariz, cochicaham umas com as outras e depois voltam a seus assuntos. Mas a maioria nem se importou, não sou uma influência na qual elas devem se espelhar, isso significa que não sou digno de suas atenções, apesar de que a maioria das boas "influências" também não merecem.
Levanto a cabeça e Erique divide o olhar entre eu e o celular, ele está acostumado com meus pesadelos.
— 32 minutos e 15 segundos.
— O que?
— Dessa vez você dormiu trina e dois minutos e 15 segundos, sempre até ter seu pesadelo, da última vez foram 27 minutos e 1 segundo.
Revirei os olhos e tomei o celular da sua mão, o cronômetro marca 32,15.
— Porquê quero saber quanto tempo você duraria em uma tortura mental do governo.
— Uma o que?— disse limpado a baba.
— Olha, o governo tem um plano para quando a sociedade cega em que vivemos hoje, abrir seus olhos e descobrirem todos os seus segredos e se rebelarem, é assim que eles controlam o rebanho.— Erique é do tipo de pessoa que passa o tempo livre criando teorias da conspiração, às vezes algumas delas até fazem sentido— Irão te colocar em uma realidade virtual com desafios e algumas vitórias, você pode sair se quiser por isso eles liberam pequenas doses de dopamina para você sentir um pouco de prazer e querer ficar.
— Quem iria querer viver uma vida que não existe?
— Aí é que tá, você não sabe que está lá até sair— ele abriu a boca em formato de o —Talvez já estejamos em uma sessão teste da realide virtual, ou talvez já tenhamos passado dessa fase e estejamos realmente no pós apocalipse.— Erique começou a pegar seu caderno e fazer anotações.
Enquanto a tinta da caneta está fresca no papel, ele passa as folhas desesperadamente.
Minha atenção é tomada no grupo de garotas por trás de seus ombros, elas foram algumas das pessoas que repararam no meu espanto alguns minutos atrás. As garotas conversam e riem enquanto nos olham, uma delas diz algo para a amiga e enquanto sorrie me dá um leve aceno de mão. Sinto que estou com cara de bobo, então lhe dou um leve sorriso de canto. Ela sorri e volta a conversar com as amigas.
— O que está fazendo?— Erique pergunta passando a palma da mão na frente dos meus olhos.
— Nada— não convencido ele olha para trás e vê as garotas ainda conversando.
— Elas não gostam de você. Só estão assim porque acham que você matou seu irmão.
— Mas eu não o matei.
—Por isso eu disse acham.
— Mas qual é graça disso? Tipo, se elas acham que matei meu irmão porque estão apaixonadas.
—Não estão apaixonadas, elas apenas gostaram das fanfics que criaram sobre você.
— Fanfics? Que Fanfics são essas?
Ele pega o celular e abre em um aplicativo com o ícone laranja, Wattpad.
—Olha isso!—ele me entrega o celular enquanto ri com uma uva na boca.
Na capa da história tem um garoto parecido comigo, ele está sem camisa, sujo de sangue, pelo que imagino já que a capa está em preto e branco. O título da história é "Ela é minha".
— O que é isso?
— Essa aí é ótima, você e seu irmão se apaixonam pela mesma garota, ela tem que escolher entre um dos dois, no final ela escolhe ele e você o mata por ciúmes.
— O que? Isso não é real, não foi assim que aconteceu, não tinha garota e eu não matei meu irmão isso é tudo mentira.
— Eu sei, por isso o nome é Fanfics.
— É mas parece que ninguém sabe, elas pensam que é real.
— As garotas curtem. Mas no fundo elas sabem.
— Curtem serem iludidas?
— Curtem pensar na probabilidade de alguém amar elas à ponto de matar outra, curtem se sentirem especiais quando no fundo sabem que não são.
Desci a tela e haviam varia histórias. De todos os gêneros, terror, romance, ação, e humor, em uma delas simularam minha cabeça no corpo do Scar e a do meu irmão no corpo do Mufasa.
Virei o celular para Erique ver.
— Essa aí é muito engraçada.
— E você lê isso?
— É, eu gosto!— ele deu de ombros.
— Isso é uma falta de respeito com meu irmão, quem está escrevendo essas histórias?
— Todo mundo.
— O que?
— Os usuários são diferentes, não é só uma pessoa. Tem gente até de outro estado escrevendo só para ganhar views.
— Isso não está certo. Vou descobrir quem tá escrevendo isso e vou processar.
— Vai ter que processar todo mundo então. E se fizer isso irá gerar mais Fanfics ainda,podem até falar que você bateu na pessoa por ciúmes da sua namorada escritora.
— Por que tenho a sensação de que você está escrevendo essas histórias?
—Eu?— ele deu uma gargalhada irônica — Quem me dera ter talento para escrita, e se tivesse já teria difamado todo mundo dessa escola.
— Teria escrito sobre quem?— perguntei não convencido.
Ele tirou um bolo de papéis de jornal da mochila.— ele faz parte dos 2% da sociedade que ainda lê jornal impresso. Talvez seja porquê seus pais tem uma gráfica em casa e produzem os jornais com as histórias que os colunistas enviam. Esse é um dos ganha pão do família.
— Eu teria escrito sobre isso — virou o jornal para mim, na primeira capa está escrito: morre Teddy Ridley, maior filantropo de GrayTown — Não sobre você.— às vezes Erique gostava de brincar com as máquinas dos pais e produzia o próprio jornal, ele fazia algumas cópias, uma para mim, uma para ele e outras para as pessoas do grupo que ele participa.
— Quem é ele?
— Acho que já fica claro quem ele é na legenda, mas entrando mais ainda no assunto, ele é um dos principais da sociedade secreta da nossa cidade, ele tem o perfil. Ninguém sabe como ficou rico, não tem família, não aparece em eventos de mídia.
— Mas se ele faz parte da sociedade não deveria fazer parte da mídia? Sabe, para influenciar as pessoas?
— Não, os membros principais não fazem isso, eles deixam que pessoas influenciáveis movimentem as marionetes, eles apenas dão as ordens.
— Talvez ele só seja um cara reservado, eu também sou, ninguém sabe da minha vida— antes de terminar a frase me lembrei das histórias lidas minutos atrás — Esquece.
— Quando alguém é tão rico assim, surgem perguntas tais como: como ficou rico?
— Aqui ele diz que foi herança de família.
— Tá, mas da onde vem o dinheiro da família dele?
Vasculhei as folhas do jornal procurando respostas.
— Ele tem algum parente vivo? Ou construiu família?
— Não, por isso se chama herança, imagino que se tivesse alguém vivo teria outra pessoa para dividir.
— Tá, mas outras pessoas fizeram essas mesmas perguntas que eu, três jornalistas, sempre faziam as mesmas perguntas, e sempre tinham as mesmas respostas rasas, então eles resolveram ir mais afundo, e adivinha o que aconteceu?
Antes que pudesse responder Erique jogou três fotos sobre a mesa.
— Morto, morto, e morto.— as pessoas ao redor começaram a nós encarar.
— Para com isso, daqui a pouco surgem histórias falando que você é meu parceiro do crime.
— Seria até legal, mas voltando ao assunto, todos que chegaram perto de descobrir a verdade sobre ele estão mortos.
— Mas se isso realmente aconteceu, por que não passou nos jornais?
— Você já sabe a resposta, eles encobrem tudo. Tudo o que sabemos que está acontecendo no mundo de hoje, no passado e no presente é o que eles querem que saibamos.
— Então, são como as minha histórias?
— Isso, você finalmente entendeu.
Segurei com a ponta dos dedos na imagem da mulher morta
— Onde você arruma isso?
— Ah, o Usuário 465 tem acesso ao necrotério da cidade.— O usuário 465 é um dos integrantes do grupo, eles não usam seus nomes verdadeiro, não sabem que são, talvez um outro integrante pode até está sentado do nosso lado agora. No total são 54 integrantes, sinto que se eu tivesse um pouco menos de consciência fossem 55, alguns minutos de conversa com Erique são o suficiente para me arrastar para seu culto.
— Então, parando para pensar, vocês também são uma sociedade secreta.
— É, só que nós buscamos à verdade, não à escondemos. Somos bonzinhos.
— Tirando fotos de pessoas mortas e divulgando internamente? Isso pra mim tá parecendo outra coisa.
— Dá pra parar? Assassino do rei.
Revirei os olhos ao me lembrar daquela montagem ridícula.
— Está bem parei.— levantei as mãos em sinal de paz.Antes de dormir sempre jogo GTA San Andreas no meu vídeo game, os gráficos com certeza são bem vagabundos mas eu gosto, me fazem lembrar do passado, do tempo que eu e meu irmão não sabíamos o que era a verdadeira vida, no tempo em que nem sonhávamos que ele se mataria com um tiro na cabeça.
Deito na cama e vigio o teto sem graça sobre minha cabeça. Deixo sono me carregar em seus braços braços até escutar uma batida na porta do meu quarto.
— Estou dormindo vó.
Ninguém responde, mas escuto algo rastejar brevemente pelo chão do quarto, me levanto no pulo.
— Vó?
Pela brecha de luz da porta vejo um pedaço de papel dobrado.
Me certifico de que quando levantar ninguém irá me atacar.
A carta é de um papel cor de terra, tem um círculo feito de vela seca e vermelha, nela duas iniciais.
Um frio percorreu minha barriga ao pensar de quem poderiam ser, não, estou ficando louco.
TR
Teddy Ridley
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Os segredos que os mortos não te contam
Gizem / GerilimUm táxi, uma chave e uma caixa, isso é mais do que suficiente para Sarah Daakye e Victor Proslot descobrirem o segredo que o recém chegado aos mortos, Teddy Ridly, tem para lhes dizer. Sarah daakye sempre soube que tirar fotos de pessoas sem sua per...