CAPÍTULO I
OSNI
Preferia não ter vivido mais se soubesse que, ao final, me perderia da cor dos seus olhos. Para mim, viver sem poder recordá-los era como uma morte contínua, um vazio que consumia cada pedaço da minha existência. No entanto, mesmo que tudo tenha se desvanecido, ainda guardava uma lembrança, de um passado distante, quando meu pai me contava histórias que eu sempre acreditara serem meros mitos. Nunca imaginei que as palavras dele se tornariam reais e mudariam a minha vida para sempre.
Olhando para trás, percebi o quanto resisti e desdenhei do meu nome, Osni Cadimuena. Mas por muito tempo desgostei dele sem saber o seu verdadeiro significado e a importância para meus pais. Actualmente, vivia atormentado pela dúvida entre aceitar o meu destino ou lutar contra ele.
Durante a minha infância, a simples menção ao meu nome me causava uma onda de raiva e frustração. Fiz muitas birras por causa disso, lutando contra aqueles que não conseguiam pronunciá-lo correctamente. Eu era ridicularizado e vítima de bullying por conta disso, mas nunca permiti que ninguém me tratasse como quisesse. Cada discussão era uma batalha pela minha identidade, pois eu não era um menino fácil de se dobrar.
Anos se passaram e ainda hoje tinha aversão ao som do meu próprio nome na boca dos outros. Meu nome era bonito e significava algo que estava além da minha imaginação. Foi minha avó quem o escolheu, em agradecimento a Deus pela concepção após anos de tentativas frustradas de gravidez de Natalia Popov, minha mãe, filha de pais mestiços euroasiáticos, com a pele branca, cabelos louros longos e lisos, além dos olhos claros e pequenos, a arrogância russa predominava o seu sangue.
Meu pai é Kyaku Cadimuena, um angolano legítimo. Juiz presidente do Tribunal Constitucional, uma figura proeminente no país, privilegiado de todas as formas, mas apesar disso, é um homem bastante tradicionalista. Casou-se com uma mulher inteligente, a minha mãe, criada de uma realidade cultural diferente, hoje sócia de uma petrolífera internacional e proprietária de uma renomada construtora.
Maria Cadimuena, minha avó, é uma senhora quase septuagenária como qualquer outra avó angolana que se pode encontrar. Seu nome santo parece contradizer sua personalidade excêntrica e seu amor pela vida simples no campo e mística. Eu sempre evitei visitá-la, mesmo que meu pai insistisse em nos aproximar. Eu me sentia dividido entre a tradição familiar e o desejo de seguir meu próprio caminho sem que as raízes africanas me perseguissem ao escolher outro lado.
Eu era de uma família privilegiada e infelizmente muito tradicional. Nasci e cresci em uma bolha de luxo, filho único de pais de origens diferentes. Aos vinte e quatro anos, me tornei um homem mestiço, formado em arquitetura e acionista da empresa da minha mãe, vivendo uma vida confortável e fácil ao redor dos mesmos círculos sociais. Mas tudo isso mudou quando fui levado para um lugar que sempre evitei voltar.
Não gostava de sair da minha zona de conforto e o desconforto que sentia era insuportável. Eu desprezava a pobreza e tudo o que ela representava, trabalhava duro apesar das facilidades que tive desde o berço. Mas agora eu estava preso em um lugar que não parecia tão atraente como antes. E ainda tinha que carregar o peso do nome que meus pais aceitaram que a velha Maria me colocasse.
Eu costumava observar o mundo com olhos ortodoxos, sem questionar ou se envolver com as injustiças que ocorriam ao meu redor. Por causa disso, muitos me consideravam apático e frio. Mas tudo isso mudou quando minha avó teve a ideia de sugerir fazer o trabalho comunitário anual da empresa no fim do mundo. Tinha quase certeza de que foi ideia dela, pois meu pai não teria escolhido esse lugar para passarmos nossas actividades filantrópicas se não fosse por sua sugestão, invés de outros lugares que não fossem um peso para mim.
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Os Olhos De Kawani
RomanceEm um mundo onde os limites entre realidade e fantasia se desvanecem, Osni, um homem anglo-asiatico imerso em sua propria arrogancia e prepotencia, e abruptamente lançado em um turbilho de eventos imprevisiveis.Apos um acidente de carro devastador...