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Eram sete horas da noite e Kawani deveria ter saído às seis, mas o fedelho do primo decidiu substituí-la às sete e meia, acompanhado pelo idiota do amigo. Eu tinha a impressão de que ele não tinha boas intenções, e precisava me manter alerta em relação a ele acabar interferindo nos meus planos. Parecia que a pimpolha sequer percebia as intenções dele, ou fingia não ver a alma podre que o corpo dele emanava ao redor, em tão pouco tempo que o conheci.

Fazia alguns minutos que eu estava no quarto dela. O sol se despedindo deixava o céu alaranjado pelas nuvens, uma sensação agradável enquanto esperava Kawani, que tinha ido tomar banho. Ela me pediu para esperá-la, então me sentei perto da pequena janela, apreciando o céu meio alaranjado e meio cinzento. Naquele horário, normalmente as ruas ficavam caóticas, muitas pessoas apressadas para voltar para casa, crianças se despedindo depois de um dia de brincadeiras.

A sensação de poder regressar para casa era sempre memorável, e trazia uma tranquilidade de que finalmente o sossego estava se aproximando. O som da porta sendo aberta me tirou do transe em que estava. Kawani tinha os cabelos úmidos, mais encaracolados e encolhidos, cobrindo parcialmente sua testa. Estava de calça e camisa folgada, parecia ser o seu pijama. A olhei confuso, observando-a da cabeça aos pés, por querer dormir tão cedo.

— O que foi? — ela indagou, parada na porta.

— Vai dormir?

— Não, mas...

— Então, por que está de pijama? — perguntei. Sem saber o que responder, ela olhou para suas roupas e depois para mim, confusa.

— O que tem? — Chacoalhou os ombros, voltando a caminhar, enquanto eu a observava no seu quarto minúsculo e trancar a porta.

— Esquece! — murmurei, voltando a olhar pela janela e surpreendendo-me ao perceber que já havia escurecido.

O dia escureceu em passo acelerado. Ouvi o som das molas de seu colchão se movendo, e um suspiro longo veio perto o suficiente de mim. Agora que ela finalmente se desocupou, precisava usar esse tempo livre para obter sua ajuda, mas nenhum de nós sabia o que fazer, e ela estava mais no escuro em relação a mim.

Virei a cadeira alguns graus para poder estar de frente para ela. Kawani me olhava directamente, com aquele mesmo semblante tranquilo. Por que ela sempre aparentava estar bem? Sua vida era tão patética e monótona, mas ainda assim, sua expressão parecia de alguém que nunca teve desapontamento algum na vida.

— Posso fazer uma pergunta? — ela interrogou assim que ficamos frente a frente. Assenti paciente. — Como é possível, mesmo sendo um fantasma, usar roupas tão actuais e bonitas? — Indagou, me observando de cima a baixo.

Essa era uma das questões que também não sabia como era possível. Quando acordei após a descoberta da maldição, estava usando roupas do hospital. Mas depois de ser levado para casa, apaguei por algum tempo, e quando acordei, estava usando roupas casuais e o cardigã de algodão que minha avó materna ofereceu depois da minha última visita na Rússia. Seu nome era Anastásia Popov, morreu há cinco anos e sempre tive uma preferência em relação a velha Maria.

Acho que foi um desejo meu de não querer que o rabo ficasse descoberto, e por algum motivo estranho, isso se refletiu no meu espectro. Embora confuso, contei para a pimpolha que me ouvia atentamente, expressando algumas vezes estar surpresa e outras, confusa. Ela em momento algum me interrompeu, apenas ouviu o que tinha para dizer, mas não era muito e não tinha nenhuma pista de que houvesse algo que pudesse me fazer voltar para o meu corpo.

— Suas orelhas também têm marcas, usava brincos? — indagou curiosa. Assenti em resposta. Acho que retiraram eles depois que entrei em coma e as marcas estavam até em minha alma.

Os Olhos De KawaniOnde histórias criam vida. Descubra agora