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Passaram-se horas, quase a hora do almoço, e em nenhum momento vi Kawani comendo. Ela era intensa e algumas vezes deixou o caixa para verificar o estoque dos produtos nas estantes e reabastecê-los, alheia aos meus olhares. Estava curioso sobre Kawani, mas me repreendia a cada momento em que a encarava com tanto descuido. Não sabia o que se passava na minha cabeça, eu não era esse tipo de pessoa que ficava curioso com qualquer um.

Ainda faltavam sete horas para seu turno acabar, e me perguntava como essa rapariga conseguia aguentar tanta carga horária de trabalho. Ela quase não tinha tempo para fazer as coisas que mulheres de sua idade normalmente fariam nos finais de semana. Suspirei e voltei minha atenção para a rua, observava algumas pessoas caminhando para lá e para cá, crianças brincando e velhos caminhando.

Em algum momento, senti que alguém estava ao meu lado, até medesconectar do devaneio e olhar para o lado: lá estava ela, ao meu lado ecomendo algum mingau de um pequeno pacote. Kawani percebeu que eu a notava evirou-se para me mirar também. Seu sorriso pequeno e amigável surgiu, me dandoaquela mesma sensação novamente. O que ela era para me fazer não conseguirmanter o contacto com os olhos por tanto tempo?

— Os fantasmas comem? — indagou, me fazendo olhar sério, porém, Kawani tinha aquele mesmo sorriso, ingênuo e sem maldade

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— Os fantasmas comem? — indagou, me fazendo olhar sério, porém, Kawani tinha aquele mesmo sorriso, ingênuo e sem maldade.

— O quê? — perguntei, absorvido pelo seu sorriso.

— Você consegue dormir, o lençol ficou no seu espectro como se você tivesse se materializado. Achei que pudesse comer também — explicou.

— É óbvio que não — respondi, desviando o olhar para a rua.

Não parecia me esnobar, mas era quase compreensível a sua curiosidade. O silêncio voltou a reinar entre nós. Sabia que ela estava olhando para a rua também. Não havia mais nenhum cliente naquele momento, apenas estávamos eu e ela na loja. Ficar em silêncio me deixava desconfortável e ansioso para que ela acabasse de comer rápido. Não sabia por qual motivo eu estava desconfortável. Nunca alguém me deixou assim antes. Talvez seja porque estive sozinho por tanto tempo que receber a atenção não me faz pensar direito no meu modo de agir.

— Não sente falta? — perguntou depois de um tempo.

— Falta do quê? — A encarei de olhos semicerrados, com a audácia dela interromper os meus devaneios. Seus olhos estavam vidrados na rua.

— De degustar uma boa refeição! — disse ela.

Não a respondi, mas eu sentia falta e queria poder ter esse privilégio outra vez. Mas fazia tempo que sequer pensava sobre isso, e com ela me perguntando, me dei conta de que nunca senti fome desde que minha alma deixou meu corpo. Poderia sentir cheiros e era difícil de discernir os tipos de cheiros ao redor, mas não me incomodava, não sentia necessidade alguma.

Era impensável como eu me esqueci de algo tão importante. Desde que me tornei num espectro, fiquei menos inteligente? Kawani não ousou falar mais nada. Talvez ela estivesse esperando por uma resposta, mas não sabia o que responder para ela. Não queria que soubesse muito sobre mim, mas ela me fez perceber um facto importante como um espectro.

Os Olhos De KawaniOnde histórias criam vida. Descubra agora