CAPÍTULO 33: NARRADO EM TERCEIRA PESSOA

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Depois que Lian, o rei de Bismuto, conhecido por todos como um soberano benevolente com seu povo, se casou com a herdeira do maior império da Terra, todos os habitantes de Peridot passaram a sussurrar entre si, fofocando em escala cada vez maior sobre a esperança que tinham deste homem se tornar a salvação de todos.
   Quando o imperador morreu, não houve uma alma em todos os reinos da Terra, que lamentou sua morte, exceto por sua filha Emily. Muitos a consideravam uma hipócrita por isso, outros a achavam uma riquinha esnobe e mentirosa, enquanto alguns poucos eram indiferentes a sua ignorância e alienação. Mas não estava nela a atenção e sim em seu marido, Lian, que assumiria o posto de novo imperador.
   Mas com a mesma rapidez que uma estrela cadente corta o céu, como o Sol surge no horizonte ou a lua reina sobre as estrelas durante a noite, tanto o imperador quando sua esposa passaram do vinho para a água, como um remédio que virá veneno, se tornando repentinamente uma dupla de tiranos conquistadores.
   Alguns diziam que foi tudo culpa do ambiente corrupto, alguns poucos cogitaram que o poder os tivesse corrompido, mas a maioria da população das nações de todos os reinos acreditavam firmemente que desde o início os dois ditadores haviam fingido serem pessoas de boa índole, mas na verdade eram lobos disfarçados de cordeiro, nada mais que demônios vestindo as máscaras de anjos que tiraram no instante em que ascenderam ao trono.
   No início, não havia nada de tão ruim em suas ordens, apesar de serem severas. Segundo eles, estupradores, traficantes e assassinos deveriam ser todos mortos e suas vítimas deveriam ser resgatadas, cuidadas, recompensadas e depois reintegradas na sociedade. Porém, quando as ruas já estavam mais bem pavimentadas, a infraestrutura do reino estava bem cuidada e a saúde pública estava avançada, o imperador e sua imperatriz começaram a desandar em suas políticas.
   A implacável e dissimulada imperatriz fez com que uma pobre princesa sofresse de depressão e tirasse sua vida enquanto apoiava seu marido em seus atos de crueldade.
   Logo, os ladrões também passaram a ser mortos por seus crimes de roubo e todos aqueles que achavam as execuções públicas algo desumano também passaram a ser caçados. A atitude desagradou a muitos, que se revoltaram com o ato de tirania, mas estes também foram aprisionados por isso. Segundo a impiedosa dupla de marido e mulher, qualquer um que discordasse de suas leis deveria ser considerado um criminoso, acusado de terrorismo contra a coroa e esse pronunciamento apenas gerou um efeito em espiral que causou ainda mais revoltas.
   O cruel imperador do caos e a dissimulada imperatriz implacável cometeram atos tão hediondos, que embora o mundo antes disso fosse repleto de preconceitos xenófobos, religiosos e culturais, todos os povos se uniram gradativamente para lutarem com um só coração contra a dupla de opressores.
   Haviam aqueles que resistiram a tirania e haviam aqueles que tentavam viver suas vidas pacificamente apesar de tudo, mas secretamente torciam para os rebeldes.
   Foram anos difíceis e de muita luta, mas quando o Exército dos Panteras Vermelhas, o maior grupo rebelde do planeta e símbolo da paz e da esperança, entrou no que seria a batalha decisiva contra os exércitos do imperador, tudo que poderia ter dado errado se concretizou.
   Os membros do exército vermelho que não foram mortos, foram aprisionados e dizem os boatos, que cada membro do exército, sofreu as mais cruéis e diversas torturas enquanto estava encarcerado nas masmorras.
   Após esse conflito, o imperador, agora repleto de ódio e amargura por ter perdido sua amada imperatriz durante a batalha da qual ela não saiu viva, mandou construir um gigantesco altar no centro da cidade. Eram vários palcos, todos sobrepostos, tais como um bolo de várias camadas que vai ficando menor conforme chega ao topo.
   Quando o dia da execução pública chegou, Lian fez questão de convidar, não apenas todas as pessoas de seu reino, mas também os líderes de cada reino no planeta sobre os quais ele governava para que nunca pensassem em se opor a ele.
   Em cada palco, haviam vários rebeldes acorrentados a troncos, e no mais alto dos palcos, estava Christopher, o líder do exército revolucionário que todos acreditavam ser aquele que salvaria o mundo e o libertária de toda aquela tirania maléfica.
   Como sempre, o imperador fez um discurso para pôr medo nos corações daqueles que o escutavam, entretanto, quando estava prestes a dar a ordem para seus carrascos, uma surpresa impressionou a todos que estavam presentes. A feição do imperador não estava contorcida apenas por dor, mas também pelo semblante mais pasmo que foi capaz de esbanjar em toda sua vida enquanto o herdeiro de seu império, príncipe Dominic, atravessava sua espada na barriga do pai, o atingindo pelas costas.
   Quando o filho do imperador recolheu sua lâmina e o cruel ditador caiu sem vida no chão, sangrando de forma contínua, nem os guardas ou a plateia sequer tiveram tempo de assimilar aquele choque. Quando se deram por si, Dominic já estava libertando Christofer e gritando a plenos pulmões para todos ouvirem — Eu não sou igual ao meu pai! — Quando o primeiro guarda tentou fazer algo contra o príncipe por assassinar o imperador, foi o líder do exército rebelde quem desarmou o homem, salvando Dominic — Vida longa ao novo imperador! — Gritou ele. A dupla apertou firmemente as mãos na frente de todos para mostrarem sua parceria e libertaram um por um, cada membro dos Panteras Vermelhas que seria executado naquele momento. Os guardas, nada puderam fazer a respeito, afinal, embora tivesse matado seu pai diante de todos ali presentes, Dominic era o legítimo governante agora que Lian não respirava mais.
   Ninguém viu quando o cadáver do antigo imperador foi levado do palco, estavam entusiasmados demais, comemorando aos berros enquanto dançavam, pulavam e aplaudiam. O mundo finalmente se unia como um único coração, agora que o demônio cruel que tanto temiam e odiavam foi derrotado pelos dois anjos da esperança que fizeram tudo em nome do bem do povo.
   As testemunhas da nova era que se iniciava, eram diversas, todos os jornalistas haviam publicado aquela notícia em torno do globo e aquela narrativa ficaria para sempre marcada nos livros de história. Aqueles que sobreviveram a aquele período para vê-lo ser mergulhado em uma nova era de esperança, contariam aos seus filhos e aos seus netos sobre como o “ Cruel Imperador do Caos” foi derrotado pelo “Justo e Bravo Príncipe Herdeiro Dominic” que ao lado do “Forte Líder Rebelde” fizeram do mundo um lugar bem mais inclusivo, belo e gentil para todos.
   De fato, todas as pessoas do globo haviam ficado mais empáticas, prestativas e solidárias umas com as outras depois daquele dia, onde o antigo imperador caiu e um novo acendeu. Mas essa é apenas a versão que o mundo conhece sobre o ocorrido.
   Infelizmente nenhum deles vai lembrar da guerreira de Diamante, que foi vendida por seus pais para uma família de nobres e que encontrou o amor verdadeiro ao se apaixonar pelo filho bastardo dessa família.
   Por tabela, também não lembrarão desse filho bastardo, que foi agredido, humilhado, excluído e maltratado desde sua infância, mas que nunca deixou de ser gentil ou desistiu de acreditar em um futuro melhor.
   Muito menos se lembrarão do plebeu que prometeu para a mãe em seu leito de morte, que tornaria o mundo um lugar melhor. Plebeu esse, que conquistou o título de Rei de Bismuto, usando nada menos que seu próprio esforço e salvou esse reino da perdição.
   A história jamais citaria os bons pais, cônjuges, amigos, irmãos ou heróis que eles realmente eram.
   Enquanto a civilização progredia, ninguém prestaria atenção nos dois chalés vizinhos que haviam no meio de uma ilha, cercados por uma floresta no reino de Safira. Ninguém sequer seria capaz de atravessar a densa mata para chegar até eles e portanto, nunca poderiam admirar o mais belo e variado jardim que cercava o primeiro deles, ou elogiar os cavalos de raça que eram criados no segundo. Ninguém veria a fazenda que a dupla de casais criaram em seu terreno na ilhota e jamais seriam convidados para tomar uma bebida enquanto admiram as lindas pinturas da primeira casa, ou comer um delicioso lanche enquanto elogiam as belas coleções de adagas penduradas na parede da segunda morada.
   Ninguém além de Dominic e Christopher, que apesar de suas vidas atarefadas, sempre conseguiam tempo para fazer visitas constantes aos pais.

EMILY E LIAN: A PRINCESA PRISIONEIRA E O IMPERADOR DO CAOSOnde histórias criam vida. Descubra agora