07 de fevereiro de 2021 - Maturín, Venezuela

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"[...] quizá en la inocencia o en la orfandad

pues los adioses nos persiguen siempre

de noche, de día [...]"

Esdras Parra - Es posible amar las despedidas?



Eram poucas as vezes nas quais Martín se aproveitava de alguma jogada perigosa em cima dele, feita por algum integrante dos times adversários, para tentar cavar uma falta inocorrente. Contrariando toda e qualquer chance de felicidade para sua comissão técnica, o argentino preferia manter o maior nível possível de táticas moralmente limpas durante as partidas.

E por esse motivo, Luciano não teve nenhuma dúvida de que Martín escondia e disfarçava o tamanho da dor que sentira imediatamente após levar um pisão na coxa direita, quando um dos jogadores da seleção brasileira subiu alto em direção à bola numa tentativa de cabeceada, e pareceu usar da perna do argentino como um trampolim.

Foi visível a forma com que Martín sentiu os efeitos instantâneos daquela batida, caindo ao chão e segurando a coxa enquanto franzia o rosto numa expressão de dor, algo que o argentino dificilmente se permitia fazer durante um jogo.

Mas não ficou tão aparente assim a maneira com que Luciano se deteve para não correr imediatamente em direção ao argentino caído, já que o brasileiro aprendera com a experiência a não ignorar a extremamente atenta multidão nas arquibancadas, não se deixando levar pelo sentimentalismo que o fazia querer agir feito o homem cuidadoso e protetor que ele era.

Ninguém conseguiria notar essa vontade reprimida no peito do brasileiro, uma vontade que o urgia a largar todo o contra-ataque do momento e dirigir-se em auxílio ao loiro que parecia dizer, a alguns colegas da seleção argentina, que estava tudo bem e que eles poderiam seguir na partida, já que o juiz não marcara a falta.

Luciano balançou a cabeça de um lado para o outro, ainda escondendo todos os sentimentos de preocupação e, agora, de revolta; entendendo perfeitamente bem (e o julgando demais por isso) que Martín estava mais aflito com a ofensiva do time brasileiro do que com o seu próprio bem-estar.

O moreno abraçou Gustavinho – o responsável pela falta supostamente não feita em cima de Martín – pelos ombros e cochichou qualquer coisa nos ouvidos do companheiro de time, correndo para o meio-campo logo em seguida e deixando o colega parado em estado de atonia, com um sorriso incrédulo no rosto.

Duas ou três matérias online questionariam em notas breves, no dia seguinte, sobre quais foram as palavras trocadas entre os dois brasileiros, e chegariam à conclusão (por conta do abraço do moreno ao rapaz mais jovem, e por conta do estranho sorriso de Gustavinho) de que Luciano o parabenizara pela jogada perigosa.

O moreno ainda observou Martín com extrema atenção pelos dez minutos restantes do primeiro tempo daquele amistoso pré-olímpico entre Brasil e Argentina, não fazendo muito pela partida já que todos os jogadores pareciam estar inexplicavelmente cansados por não conseguirem sequer chegar perto de uma finalização mais decisiva, e mal se esforçavam para correr.

Luciano se recordou, ao perceber a forma com que tanto os atletas brasileiros quanto os argentinos fingiam se esforçar nas passadas lentas demais para uma partida de futebol, das análises técnicas que seu antigo treinador dos tempos do Chelsea fizera certa vez.

Old Frankie dizia que não havia nada pior para um jogo de futebol do que seu desenvolvimento truncado no primeiro tempo, porque isso indicava apenas dois resultados: ou os dois times voltariam querendo arrancar sangue um do outro depois do intervalo e alguém eventualmente faria um gol num restante de partida violentamente bonita, ou o jogo terminaria num zero a zero feio demais para seleções que carregavam os melhores do mundo em seu elenco.

One Hundred Days of Dreams (Luciano x Martín) (BRAARG)Onde histórias criam vida. Descubra agora