16 de novembro de 2009 - Denver, Estados Unidos

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"Por que, pálida inocência, 
os olhos teus em dormência
a medo lanças em mim?"
Álvares de Azevedo - Pálida Inocência



Luciano sentiu que reconheceria as costas daquele moleque loiro em qualquer lugar, sob quaisquer circunstâncias.

Sem entender o porquê de esse sentimento de reconhecimento deixá-lo tão empolgado, o brasileiro contou mentalmente quantos meses tinham se passado desde o acidente naquele pé de manga, no qual ele abrira os braços para receber Martín que pulara de um galho bastante alto, já que o argentino se paralisara em lágrimas pelo medo de altura – pouco mais de seis meses.

Luciano não saberia dizer quantos centímetros de cabelo poderiam crescer naquele prazo, mas os fios dourados de Martín estavam maiores do que os fios negros na cabeça do moreno; apesar de os dois meninos terem portado, à época da conturbada despedida pós-incidente, o mesmo estilo de corte raspado.

Martín parecia altivo e orgulhoso nas passadas pesadas que dava em direção ao anfiteatro de uma escola secundária americana, improvisado como sala de apresentações organizada pela FIFA, que pretendia reunir pequenos grandes talentos do futebol das Américas para um pré-seleção de torneios avaliativos.

Mas Luciano achou engraçado perceber a forma com que a pele do loirinho parecia se eriçar raivosamente toda vez que algum outro pré-adolescente se aproximava demais dele – como num reflexo anti-toque.

Achou cômico, também, o jeito que o rosto de Martín se virava com a mesma ira para encarar grupinhos de garotos que conversavam e riam alto, conseguindo enxergar pelo perfil do argentino um olho azul que olhava para o teto em revolta.

"Que moleque estranho", era o que Luciano pensava, sorridente enquanto dava uma corridinha na direção de Martín.

Segurou uma risadinha quando a junção daqueles arrepios raivosos da pele branca feito neve, com um olhar azul feito as águas do mar e altamente reprovador foi direcionada exatamente ao pulinho que o brasileiro deu ao lado do argentino:

— Eu tô vendo o anjo que caiu do pé de manga, beeeeem nos meus braços? É isso mesmo? – Luciano perguntou, apontando um dedo brincalhão para a face de Martín. — Eu não sei muito bem o que significa "destino", mas num parece que é uns lances assim o que tá fazendo a gente se encontrar demais?

— "Demais", não – o argentino respondeu bufante, num português absurdamente bom aos ouvidos de Luciano, olhando para a frente sem parar de caminhar e como se não fizesse questão alguma de dar atenção ao outro garoto. — É apenas a segunda vez. E não é por conta de destino algum.

— Por que não é?

— Porque não é pelo destino que eu estou participando de uma conferência dos melhores novos talentos do futebol das Américas.

— É pelo que, então?

— Você é idiota, por um acaso?! – Martín respondeu repentinamente mais nervoso, parando igualmente abrupto nos passos que dava. A altura de sua voz chamou a atenção de dois grupos de meninos que passaram por eles, e cochicharam qualquer coisa inaudível para ambos. — Não é pelo destino que você também está aqui, mas o porquê de você estar aqui ainda é um mistério pra mim!

Primeiro Luciano soltou um "Ah" como se tivesse a resposta afiada e pronta, na ponta da língua. Mas o brasileiro precisou de quase um minuto estático e pensativo para compreender a ofensa velada no que Martín acabava de dizer.

Luciano não se sentiu nem um pouco ofendido, e riu, levantando uma mão para repousá-la num dos ombros de Martín.

O instinto do argentino foi esquivar-se daquela mão, da mesma forma que tinha feito até aquele momento com todas as pessoas que caminhavam pelos corredores em direção ao anfiteatro da escola.

One Hundred Days of Dreams (Luciano x Martín) (BRAARG)Onde histórias criam vida. Descubra agora