eroda 0.6

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Louis'POV

Tive uma longa conversa com minha tia antes de sair do quarto. Eu fiquei entretido por um tempo jogando o joguinho da cobra no celular, esperando dar a hora que eu sabia que já estavam acordadas. Liguei e fui atendido na terceira chamada. A voz de Nessie é daquelas ativas, que quando você escuta, você consegue imaginar a pessoa saltitando. Não sei se faz sentido, acho que faz sentido para mim por ela ser meio fit.

Conversei com minha mãe. Eu fico preocupado com ela todos os dias, me pergunto como posso fazer ela se alegrar um pouco a cada dia que passa. O câncer foi diagnosticado já faz um tempo, mas nunca consigo me acostumar, só sei lidar. Eu a beijo todas noites e manhãs, quando durmo e quando acordo. Hoje senti falta disso.

Ela é forte demais. Quando os cabelos começaram a cair, ela fazia piadas sem jeito, tentando encontrar um lado bom ao ver seus fios espalhados pela fronha do travesseiro. Comprei muitos lenços para ela, dos mais lindos. Minha mãe não queria que eu a visse daquela forma, em suas palavras "feia". Aquilo me fez cair em joelhos, eu não conseguia encarar a situação. Não conseguia acreditar o por quê tinha que acontecer com ela. Por que o câncer escolheu minha mãe.

É egoísmo pensar dessa forma. Eu sei e admito. Mas, somente quem sentiu na pele, no osso, ver a pessoa que mais ama no mundo sendo rendida ao câncer, sabe do que estou falando.

Aquilo te consome dia pós dia. Chega um momento que você começa a se culpar por algo que não tem seu controle, que não está em suas mãos decidir o que vai ou o que não vai acontecer. Você se encara no espelho e vê a tristeza no reflexo. Você come e a comida não para no seu estômago. Eu comecei a me matar aos poucos. Comecei a parar de dormir, trocar o dia pela noite e vice-versa. A comida estava quente no meu prato, eu mexia ela de um lado pro outro, esperando minha mãe e minhas irmãs saírem para que eu pudesse jogar no lixo. O cigarro começou amarelar meus dentes.

Nos dias de jantar em família, eu me esforçava ao máximo para não gritar na mesa. Todos fingiam que minha mãe estava bem, que ela passaria por essa. Alguns falaram que era erro de diagnóstico. Eu tive raiva de todos por muito tempo. Eu odiava o fato de que minha mãe estava morrendo aos poucos. Eu odiava o fato de que eu não podia fazer nada a respeito. Eu criei um ódio irracional contra mim mesmo.

Tudo começou quando eu tive meu primeiro episódio.

- Cadê o irmão de vocês? - minha mãe perguntou ás gêmeas.

Elas tinham nove anos. Phoebe foi correndo para me achar. Foi em meu quarto e chamou pelo meu nome. Não foi correspondida. Daisy foi para o quarto da nossa mãe e chamou pelo meu nome. Sem respostas.

- Não sei, mãe - Phoebe batia seu pé no chão, impaciente.

Minha mãe abandonou a cozinha e foi me procurar. Aquele dia eu tinha chegado de madrugada em casa, só passei pela sala para deixar um beijo rápido em sua bochecha e me tranquei no quarto. Minha mãe me encontrou no banheiro, caído perto do vaso. Meus ouvidos estavam mergulhados no líquido que joguei para fora. A porta foi fechada e assim as gêmeas não me veriam naquela situação.

O que eu conseguia enxergar eram vultos. Jay me ergueu, e com muito esforço me colocou sentado no vaso. Ela jogava água no meu rosto, a água gelada ia me despertando aos poucos, mas eu precisava me afogar num mar congelante para sair daquela situação. Jay batia no meu rosto, dava tapas fortes para ver se eu abria os olhos por completo. Ela ligou o chuveiro e tirou minha roupa, e ali ela começou a me dar um banho, como se eu fosse um bebê. Eu não sei como tive coragem de fazer isso com ela.

Eu não tinha coragem de pegar uma faca e cortar meus pulsos. Não tinha coragem de pegar uma corda e me enforcar no porão de casa. Eu não tinha coragem de me matar diretamente. Então, passei um ano me matando aos poucos. Sem que minha mãe soubesse, eu conseguia esconder dela que eu não estava bem. Acho que quando estamos num buraco sem fim, desistimos de lutar para sair, e não é como se aceitamos estar ali, mas simplesmente nos deixamos levar. Estar ou não estar, não faria diferença, o trauma continuaria o mesmo.

That Summer In Eroda | l.sOnde histórias criam vida. Descubra agora