Capítulo Sete

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— VOCÊ ACHA QUE vale a pena viver?

A pergunta saiu de minha boca e senti que a amargura profunda que cultivou tal frase no meu coração fez minha boca ter o maldito gosto puro de sangue. Ainda estávamos deitados e não percebi quando, no meio da noite, um espirro do príncipe me despertou.

O silêncio que seguiu foi longo, suspirei e senti que o destino de Drystan foi sábio, a escolha que ele fez foi a melhor, pensar sobre a morte dele naquele momento não causou dor, mas consolo. Saber que ele está livre do inferno que viveria aqui é um verdadeiro alívio.

— O que você acha que significa viver, Majestade? — Sorrateira pergunta, maldito homem.

— Não sei se entendi.

— Viver. O que significa isso?

Outro espirro.

— Você sabe? — Ele perguntou novamente, um pouco mais insistente dessa vez.

Não abri minha boca para responder e ouvi, do lado interno da grossa coberta que nos escondia naquela cama, os sons tímidos de algumas gotas de chuva caindo. Estava deitada a tantas horas que nem me sentia mais um ser físico, todo meu corpo formigava de alguma maneira e meus membros estavam tão pesados que eu não tinha coragem de me mover.

"Você sabe?" a pergunta se repetiu como uma humilhação interior em minha mente, Koyran nada mais disse e fiquei à mercê de pensamentos invasivos e perigosos.

A verdade é que eu não sabia responder àquela pergunta e ele jamais obteria qualquer espécie de resposta, mas pensar sobre o que era viver me fez ainda mais miserável naquela situação. Eu nunca tinha viajado, saído de Anwar ou de Calanthe, nunca tinha feito verdadeiramente algo que fosse remotamente interessante. Estava deitada ao lado do homem que quase arrancou de mim a vida e percebo agora que isso teria sido maior prazer do que esperava.

"Incapaz" era a palavra que surgia em minha mente quando eu pensava em como definir a mim mesma. Não no sentido de eu ser, literalmente, incapaz, mas por ser dependente, imprestável e inútil. Rubi ordenava em mim, eu a seguia cegamente e era tão fiel a ela que não lembro ao certo como era o rosto do meu pai, a relação que eu tinha com ele era a que ela dizia que tínhamos. Achava que a amava. Achava que aquilo era carinho de verdade.

Não tinha olhos para mais ninguém ou espaço no meu coração para me preocupar com alguma outra coisa além de sua aprovação. Rubi era a coisa mais importante de minha vida, era meu ídolo.

Eu era uma escrava?

Será que eu sei sobre alguma coisa? Se não consigo discernir quão maliciosa foi a mulher que por toda minha vida chamei de mãe, conseguiria dizer o que eu sinto? Não consigo diferenciar o sentimento que parte de outra pessoa, como posso ter a ousadia de achar que conheço os meus?

Eu não sei o que é amor. Não sei o que é ser Rainha. Não sei o que é ter uma mãe ou o que raios é um ato de afeto. Eu não sei nada.

No fim, Castiel estava certo em dizer que não sei nada sobre nada, Castiel sempre esteve certo.

Como fui estúpida em dizer que não era romântico, mas que de alguma maneira o amava. Uma pessoa destinada ao inferno como eu sabe o que é amar? Romanticamente ou não, eu não sei nada.

Sou uma folha em branco, manchada de sujeira e de marcas de alguma coisa que é impossível definir, um rascunho descartado por um artista que nunca pegou num lápis... Uma princesa mimada que só sabe reclamar...

Posso dizer que sou sequer isso?

— Você não sabe o que é isso, sabe? — Ele riu.

Senti meu coração ferir o meu peito, a dor foi física. Koyran não era ninguém e se ele achava que podia rir de mim, por qualquer coisa que fosse, estava terrivelmente enganado. Quem ele pensava que era para debochar de mim? Ele é só um príncipe inferior e infeliz, tão miserável quanto eu, senão mais!

Incorrigível TiraniaOnde histórias criam vida. Descubra agora