Capítulo 11 - Rebecca

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AGORA

O vento açoitava o meu corpo, soltando os meus cachos do coque solto no qual eu os havia enrolado. A resistência do ar e as de chuva estariam ferindo a minha pele se não fosse pela cobertura da jaqueta de couro e a calça jeans. O capacete de Snake Carbon rosa, mesmo com sistema de ventilação integrado, parecia estar me sufocando, mas na velocidade que eu estava, abrir a viseira não era uma opção.

Eu sufocava no meu próprio oxigênio. As luzes da cidade, os carros, os sinais vermelhos, placas, postes e pedestres, passavam como um borrão pela minha visão desfeita em lágrimas.

Meu peito se apertava, meus pulmões não captavam ar suficiente, podia sentir o suor cobrindo cada centímetro da minha pele, sobrepondo a sensação do toque dele. As lágrimas desciam grossas pelo meu rosto, como as gotas de chuva que rebatiam na viseira do meu capacete. Olhei para o painel me sobressaltando com a velocidade. 189km/h. Eu deveria reduzir, mas encarei a estrada com poucos carros atravessando a madrugada e acelerei.

A moto era uma extensão do meu corpo, cada desvio, curva e quebra molas era feito em conjunto. Eu podia confiar nela muito mais do que poderia confiar em mim. Era tão natural que eu parei de pensar a respeito de como meu corpo me traia, como meu cérebro me jogava em uma espiral de pânico e agonia e apenas deixei o motor de 200 cavalos me comandar, me tornando parte da máquina.

Ter um ataque de pânico a uma velocidade de 210km/h não era o que eu planejara para essa noite. A verdade era que eu não planejara nada do que aconteceu essa noite, sabia que era estupidez, me deixar ser guiada pelos instintos, tentando proteger mais uma vítima. Eu deveria me deixar guiar pelo meu ódio, pelo desejo de vingança que corria como veneno pelas minhas artérias no lugar do viscoso suco vermelho.

Sentindo cada inspiração e expiração minha entrando e saindo cada vez mais lenta, sentindo o órgão apodrecido no meu peito imaginando-o como um motor de combustão à gasolina, bombeando, as velas queimando-a e movendo os 4 cilindros pela pressão. A velocidade reduziu juntamente com o meu ritmo respiratório e o motor se acalmou assim como o meu coração.

A moto parou de se mover assim que os meus batimentos se acalmaram.

E eu gritei.

Gritei até a minha garganta doer.

Gritei até o fôlego dos meus pulmões cessarem.

Apertei os punhos desejando socar alguma coisa e puxei o ar.

O urro gutural inumano que saiu de dentro de mim, fazendo com que as minhas cordas vocais latejassem.

Apoiei meus braços sobre o tanque resfolegando, meus ofegos saindo e entrando em gaguejos, enquanto o choro era liberado em ondas.

Do alto daquele viaduto, sozinha eu esperei que a dor passasse. A dor na minha alma, no meu coração sangrento, mas ela não passaria.

Eu só desejava poder ter... poder voltar no tempo, poder não ter bebido daquela garrafa... Poder ser normal. Visualizava no céu nublado e escuro, da madrugada, toda a vida que eu poderia ter tido. Seguindo na inocência, desbravando o meu primeiro amor, ter todas aquelas primeiras experiências com ele. Deixa-lo me tomar como sua sem um maldito trauma no meio do caminho. Sem precisar me entorpecer para ter a coragem de tomá-lo para mim.

Mas ele estava certo.

O que aconteceu, mudou tudo.

Nós não teríamos aquelas primeiras vezes, nem mesmo poderíamos ter um relacionamento normal. Sabia o que ele via quando seus olhos me fitavam.

Suja. Eu sabia que era assim que ele me via.

Opaca.

Sem vida.

A Escorpiana: Além da VingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora