Capítulo 33 - Rebecca

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9 ANOS ANTES

Meu corpo doía. Cada centímetro da minha pele doía.

Eu estava deitada em posição fetal e não queria abrir meus olhos, mas a minha boca seca e a dor me trouxeram de volta a consciência.

A primeira coisa que eu vislumbrei ao abri-los foi a luz do sol adentrando pelas cortinas azuis. As paredes em azul escuro. Uma cômoda pintada de verniz, no fundo do quarto com uma mesa de cabeceira combinando, ao meu lado. Um livro sobre ela, o qual eu não conseguia ler o título com minha visão ainda embaçada.

O cheiro do amaciante misturado com o perfume amadeirado enchia as minhas narinas nublando a minha mente da dor.

Aquele não era o quarto de Flávia. Mas também não era o meu.

Abaixo da janela, uma forma se remexeu.

Sua cabeça se ergueu e eu percebi que aquela bola de roupas pretas era Felipe. O conjunto de moletom o cobria por inteiro, sua cabeça coberta pelo capuz, deixava apenas o rosto a mostra.

Seus olhos inexpressivos encontraram os meus.
Aquilo tudo parecia ter sido um pesadelo e na minha mente eu criei um cenário onde escapei da festa e decidida a passar o resto da noite com ele. Dormi na sua cama e deixei o aroma do seu travesseiro e a maciez de seus lençóis me embalar enquanto ele vigiava o meu sono.

Mas então seus olhos se desviaram. Seus lábios se comprimiram em uma linha fina.

Ele não conseguia olhar para mim e então... Eu soube.

Eu estava suja.

Eu queria chorar, mas meus olhos estavam secos demais para produzir sequer uma lágrima e eu não conseguia desviar meus olhos dele. Ele me odiava.

Eu me odiava.

Felipe se levantou com movimentos endurecidos, como se tivesse dormido a noite toda no chão. E então em um movimento brusco caminhou na minha direção. Eu não queria, mas me assustei e gritei.

— Calma... Calma... Eu só vou me aproximar pra te dar água e um remédio pra dor — com as mãos erguidas ele falou, estaqueado no lugar enquanto esperava a minha permissão.

Assenti ao engolir em seco e quase chorei com a dor no movimento, como se a minha garganta estivesse coberta de cacos de vidro que escorregavam e rasgavam todo o caminho até o estômago.

Ainda com as mãos erguidas ele se moveu devagar o suficiente para que eu acompanhasse cada movimento. Pegou uma garrafa de água coberta por gotas de condensação, abriu e despejou o conteúdo em um copo de vidro transparente antes de deixá-lo sobre a mesinha para me ajudar a sentar. A dor me atravessou quando me sentei,
como se tivesse sido esfolada viva e rolado no sal grosso.

— Beba — ele disse me entregando o copo.

Eu aproximei meus lábios, mas...

Uma enciclopédia de "e se" se instalou em minha mente. Eu sabia o que tinha acontecido, mas não sabia como eu acabara aqui.

Entreguei o copo de volta para ele.

— Beba você primeiro.

— Eu não... Ah, tudo bem — ele pegou o copo de volta e bebeu todo o conteúdo sem tirar os olhos dos meus e então encheu-o de novo antes de me entregar.

Bebi toda a água, Felipe então retirou um comprimido de tilenol da cartela e me entregou antes de preencher o silêncio.

— Bruno me ligou depois que eles... — uma inspiração exasperada e então continuou — eu fui até lá e te trouxe pra cá, eu deveria ter te levado pro hospital ou sei lá... Desculpa, eu entrei em pânico, eu... A culpa é minha, merda, isso tudo é minha...

— Quero tomar um banho. — interrompi friamente a sua enxurrada de autoflagelação.

Minhas mãos tremiam quando entreguei o copo vazio em sua mão.

A Escorpiana: Além da VingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora