EPÍLOGO

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Silencioso... Seja sempre silencioso.

Guarde seus problemas pra si.

Você tem que aguentar.

Eu sempre tinha que aguentar... Tudo.

Olhando para a garota gótica diante de mim nesse momento, com as meias arrastão, o coturno abaixo do joelho, e o vestido — que eu ainda estava tentando entender se era ou não uma fantasia para opinar. Como se a roupa toda não chamasse atenção o suficiente, o seu rosto era adornado por piercings em ambas as narinas, sobre o lábio superior e no septo — e eu nem queria saber se havia mais – e os cabelos cacheados, soltos... sua imagem poderia parecer brutal a primeira vista, mas a sua doçura era a de uma princesa Disney.

— E então? — Atena fez uma volta completa esperando que algo fosse dito.

Nesse momento toda a minha vida passava diante dos meus olhos, cada momento que me trouxe até aqui...

Mamãe gemia de dor enquanto acariciava minha cabeça deitada sobre a sua cama hospitalar. A cabeça lisa brilhava com a luz do sol refletindo sobre a pele. Se ela já teve algum cabelo, seja na cabeça, sobrancelha ou cílios, eu não me lembrava de ter visto.

Seu rosto pontudo e encovado, com os olhos fundos, não se assemelhava em nada àquela mulher de cabelos castanhos lustrosos e olhos azuis que queimavam vividos nas fotos. Seus olhos ainda continuavam azuis, mas agora eram injetados de sangue ao redor do azul.

Com 3 anos eu ainda não sabia o que era leucemia ou uma hemorragia subconjuntival, mas eu sabia que ela estava doente.

Mesmo que meu pai sempre tentasse me tirar do quarto hospitalar improvisado na sala de jantar, a enfermeira de cabelos loiros e olhos azuis amenizava o homem, dizendo que eu seria seu pequeno auxiliar, me explicando coisas que eu não conseguia entender a maioria das vezes, mas como toda criança nessa faixa etária, eu prestava muita atenção em tudo...

Tudo mesmo.

Até mesmo as trocas de olhares que rolavam quando pensavam que ninguém estava vendo. Assim como os sumiços repentinos dos dois, deixando a mim e mamãe sozinhos.

Não foi nenhuma surpresa, quando ela morreu, meu pai logo se casar com a enfermeira. Flávia deixou de ser a mulher simples de sorriso doce e se tornou uma déspota cheia de exigências.

Meu pai cedia a todas elas. Uma casa maior. Se desfazer de qualquer coisa que lembrasse a minha mãe. Um carro novo. Joias, roupas e viagens. A única coisa a qual ele não cedeu, foi me afastar. Eu sabia que ela me queria longe.

Com 5 anos eu já havia aprendido a escutar atrás de portas e mesmo que não tivesse ouvido as várias discussões a respeito, ela sempre conversava comigo sobre me mandar para uma escola interna e como aquilo seria legal para mim, mas eu me negava a ficar longe da única pessoa que eu ainda tinha.

Eu não sabia o que significava divórcio, mas ouvi aquela palavra diversas vezes antes que ele falecesse em um acidente de carro, voltando para a casa em uma noite chuvosa. Eu não pude vê-lo mesmo durante o velório, já que o caixão foi lacrado.

Tudo ficou muito ruim, com meu pai por perto, ela apenas ignorava a minha presença ou fingia simpatia na frente de outras pessoas. Sem ele... um monstro se instalou dentro da minha mente, criando cenários aterrorizantes durante a noite, me chamando com sua voz demoníaca para dormir na sua cama, me obrigando a parar de chorar quando seus toques me assustavam, me fazendo ter pesadelos sempre que dormia sobre uma cama.

Nós nos mudamos e ela voltou a trabalhar, dessa vez em um hospital. Dois anos depois ela me apresentou como seu filho àquele que ela dizia ser o homem da sua vida. Nessa época eu já não me importava com muita coisa, mas o meu coração acelerou no primeiro almoço em família em um jóquei Club.

A Escorpiana: Além da VingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora