Princesa do Amanhã

CAPÍTULO TRÊS

          Apolinário, o tio distante, cujo nome soa mais como uma charada linguística do que uma identidade real, ele mesmo, está à minha espera na biblioteca. Sou obrigada a parar na porta do cômodo, pois começo a ouvir um tumulto de vozes que mais se assemelha a um enxame de niasis.
          Niasis, essas pragas aladas que parecem ter feito um pacto sombrio com as estações chuvosas para nos atormentar. Voam em grupos e, se alguém azarado cruzar o seu caminho, ganhará como brinde um corpo enfiado de ferrões. E a coceira? Ah, essa é implacável. Eu bem sei.
          Meu coração dá um salto quando me deparo com a coleção de livros ocupando dois cômodos interligados. Nunca imaginei que pudesse existir um número tão absurdo de livros em um único lugar. É de se pensar que em toda Harmin mal se encontrem quarenta livros, e a maioria deles eu mesma roubei e depois destinei a novos proprietários.
          Enquanto exploro a biblioteca, meus olhos percorrem as prateleiras e minha curiosidade é aguçada. Não posso deixar de notar a variedade de títulos e aparência envelhecida das capas. Livros antigos têm seu próprio charme - e preço! Tenho um cliente que enlouqueceria se soubesse da existência disso aqui.
          Estou prestes a escolher um livro para folhear, quando tio Apolinário se aproxima de mim, seus passos silenciosos como os de um felino.
         — Vejo que você também aprecia os livros, Dolores. — Sua voz é suave, e ele parece genuinamente interessado na minha opinião.
          Olho para ele, meio surpresa pela abordagem amigável afinal, poderia estar me tratando com desconfiança, assim como eu mesma faço sempre que encontro alguém pela primeira vez, mas sua expressão é amigável e seus olhos brilham com uma paixão evidente por aqueles volumes empoeirados.
          — Sim, eu amo livros. — Sorrio, percebendo que nunca disse isso a ninguém antes.   — E esta biblioteca é incrível.
          Apolinário assente, com um tom de orgulho nos olhos. Ele me guia até uma prateleira em particular, onde alguns livros estão destacados. Ou ele é um dissimulado profissional, ou eu estava muito errada a seu respeito.
          — Aqui estão alguns dos meus favoritos.   — Ele começa a mencionar títulos e autores que desconheço.   — Este aqui, por exemplo, é um clássico de fantasia que você pode gostar.
          Apolinário e sua espessa barba encaracolada que desce por todo o comprimento do pescoço, observa meu rosto com um sorriso enigmático, como se soubesse mais do que está dizendo. Sua presença e a descoberta dessa mansão misteriosa, adicionam mais mistério à minha vida aqui.
          Ele se despede, dizendo que me encontrará mais tarde, mas que agora precisa resolver alguns assuntos urgentes e, o vejo mancar até a porta dourada que mais parece uma fachada de moedas de ouro.
Assim que o perco de vista, o burburinho de vozes aumenta.
          — Dolores voltou! Dolores voltou!
          Será que ouvir vozes é o preço que terei de pagar para viver no luxo?