CAPITULO SEIS

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          Eu até poderia achar que estou alucinando de cansaço, não fosse a porcaria da chave brilhar como se estivesse pronta para abrir os portões de algum segredo macabro, isso sem contar uma canção misteriosa que decidiu servir de trilha sonora para o objeto voador.
          Vinda de todos os lados, equilibra suavidade e tensão, de maneira tão harmônica, que faria inveja aos melhores compositores de Qwifir. Sua melodia mais parece um leve farfalhar das árvores na primavera, cujo movimento serve também como difusor de um aroma doce que paira pelo ar, me acalmando como se fosse a canção de ninar de uma mãe para seu filho.
          Com um suspiro resignado e uma pitada de curiosidade, estendo a mão em direção ao objeto. Antes que meus dedos a possam tocar, a chave parece ganhar vida própria, flutuando em minha direão, como uma borboleta dourada pairando no ar, pousando com delicadeza em meu pulso direito, onde minha mão estava estendida.
          — Mas que diabos?
          Minha expressão de choque se metamorfoseia em uma careta de perplexidade, os olhos se arregalando como se tivessem visto um fantasma e minha boca entreaberta em descrença à medida que a chave se funde à minha pele, virando uma pulseira embutida na epiderme.
          Um suor frio brota na testa, enquanto tento puxar o objeto em desespero, mas cada esforço é em vão. Antes que o pânico se torne dominante, inspiro devagar  raciocino: a pulseira não está me machucando, e embora seja assustadora, não parece ser uma ameaça imediata. Terei tempo de encontrar uma forma de arrancar esse acessório amaldiçoado, ou pelo menos assim espero.
          Sei que está tarde, mas a perspectiva de dormir parece tão distante, dadas circunstâncias que me cercam. Então, decido levantar, pois o mundo fora da cama é o único lugar onde talvez possa pensar sobre o que tem acontecido comigo desde que cheguei aqui.
           Com o roupão colado ao corpo pelo suor, sigo a passos lentos, contemplando um imenso jardim iluminado pelo céu esmeralda. Ao chegar perto de um chafariz, tenho uma ideia um tanto estrana. Está uma noite abafada e bem na minha frente tanta água sendo derramada. Seria um desperdício não aproveitar.
           Começo a brincar igual a uma criança indo ao mar pela primeira vez, me perdendo na divertida sensação da água em minha pele. As estrelas, ainda brilhando no céu noturno, parecem observar minha alegria silenciosa e cada risada ecoa entre as árvores altas, fazendo com que me sinta viva como nunca antes.
           Enquanto minhas mãos esculpem desenhos na água, um leve ruído me faz erguer a cabeça. Meus olhos encontram um rapaz alto, vestido de maneira peculiar, prado à beira do jardim. Seus cabelos cor-de-chocolate caem sobre a testa, e seus olhos azuis hipnotizantes parecem brilhar sob a luz das luas.
Por um momento, a ideia de fugir passa pela minha mente. Afinal, o rapaz é um completo desconhecido.        Mas algo dentro de mim me faz hesitar, uma sensação que envolve todos os meus sentidos. Enquanto dou passos cautelosos em sua direção, sinto a água escorrer pelo meu corpo, deixando minha pele arrepiada com o frescor.
           Um sorriso caloroso ilumina o rosto do rapaz, seus olhos fixados nos meus.  No entanto, o que mais me intriga nesse momento éo aroma que ele traz consigo, uma fragrância que me envolve como um abraço acolhedor, a lembrança da minha flor favorita, muito embora ela só floresça no além-mar, muito longe de onde estamos.
           — Aí está você. — Ele quebra finalmente o silêncio, sua voz é suave e envolvente.
           Uma onda de confusão me inunda. Nunca o vi antes, então como ele pode me conhecer?      
            Surpresa e insegurança se apoderam de mim, à media que a distância entre nós diminui, e por um instante, me sinto como uma presa encurralada, incerta sobre como reagir. É como se ele tivesse a chave de um enigma que eu não consiga decifrar
           Enquanto nos aproximamos um do outro, minha respiração se torna superficial, e meu coração bate com uma velocidade que ecoa no silêncio da noite. Esse encontro inesperado desencadeia uma série de emoções conflitantes e não consigo entender.
           — Você precisa voltar. — O rapaz então estende a mão em minha direção e começa a sumir até não restar nada, exceto o aroma no ar.
           Quero rir de mim mesma, por estar vendo alucinações além de ouvir vozes, mas minha atenção é direcionada para a voz do paraíso.
           — Loli, você consegue me ouvir?
           Minha mãe é a única pessoa do mundo que me chama assim. A expectativa de que ela tenha mudado de ideia e voltado para me buscar, inunda meu coração. Tenho tantas perguntas.
           Corro na direção do aconchego, porém quando menos espero, um homem com capuz negro e olhos cinzas que brilham como se fossem uma constelação inteira, se materializa diante de mim. O desconhecido me agarra pelo pulso e sopra um pó prateado, atingindo em cheio meu rosto.
           Não consigo abrir as pálpebras. Tampouco vejo o que acontece na sequência, apenas o clarão que ilumina o céu. Alguém grita para que eu fuja. Mãos me agarram pela cintura e eu voo por cima do chafariz.

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