CAPÍTULO OITO

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          Ao sair do bosque, o mundo ao meu redor é uma visão que considero repugnante. Estamos em uma vila rural, onde animais de aspecto desprezível vagam pelas ruas, compartilhando o espaço com pessoas cujos dentes podres e cabelos emaranhados refletem uma vida de decadência.
          Enquanto caminhamos para um destino — que só os deuses sabem qual é — vejo que a maioria das construções parece ser feita de materiais simples, como plantas secas e barro.
          — Qual o nome do seu mundo? — pergunto, enfim. Já que tenho que estar aqui, seja lá onde for, posso muito bem colher algumas informações.
          —Estamos em Harmin. — responde sem parar de me arrastar pela lama.
         — Claro que não. Eu moro em Harmin e, lá, nunca teve esse fedor. — Faço uma careta de desaprovação pela resposta malcriada da garota. O som do meu descontentamento se mistura ao murmúrio distante de animais e ao vento cortante que carrega consigo o odor peculiar da vila.
          O caminho até o litoral, na minha Harmin, é composto por algumas casas antigas feitas em madeira, mas a grande maioria foi construída de materiais mais novos e resistentes como o ferro ou aço.      Aqui, por outro lado, só vejo habitações de barro. Barro! Não bastassem as diferenças estruturais, as pessoas são quase opostas. No meu mundo, as pessoas têm dentes, são limpos e vestem poucas roupas, muito diferente dos seres maltrapilhos que observo.
          — Se estamos em Harmin, cadê o Mar dos Elementais? Ele já deveria estar visível. —Lanço o desafio com um olhar triunfante.
          — É para lá que estamos indo. — Sua resposta carrega a promessa de algo desconhecido, ecoando no ar como um sussurro de esperança, mas o som dos nossos passos pesados na lama denuncia a incerteza do caminho à frente.
          Decido acompanhar a desconhecida na busca por algo para saciar minha fome, contudo, vinte poças de lama depois me fazem repensar a sabedoria de minha decisão. A própria Asi, ao caminhar à minha frente, deixa rastros na lama úmida que se misturam ao cheiro característico da vila, criando uma trilha sensorial de desconforto e desagrado.
          Enquanto meus passos se perdem na imundície física, minha mente decide me forçar a confrontar os acontecimentos recentes e a lembrar que sempre fui uma mestra na arte de manter as rédeas da minha existência firmemente entre os dedos, com o conforto de um roteiro previsível. No entanto, agora, me encontro imersa em um redemoinho de caos que desafia todas as minhas noções de ordem.    Este mundo absurdo, que parece ter surgido das páginas de um conto de fadas distorcido, é tudo menos previsível.
          Por falar em imprevisibilidade, eu não estou cansada e isso é muito estranho, pois desde que descobri a doença do sangue, estou exausta todos os dias. O fôlego me falta sempre que decido caminhar ou fazer as atividades do dia, mas aqui não sinto fadiga alguma, muito pelo contrário, parece que tenho energia suficiente para cinco pessoas. Será que alguma coisa nesse mundo fedorento me curou? Só há uma maneira de saber.
          Nutrida por uma esperança repentina, decido romper em uma corrida, me movendo o mais rápido que posso, enquanto o ar frio e úmido corta meu rosto com uma sensação revigorante.
          Abro os braços, permitindo que a brisa agite meus cabelos bagunçados, ao mesmo tempo, fecho os olhos, me entregando à sensação de liberdade que a velocidade proporciona. Corro até esquecer quem sou, e me torno uma só com o ambiente ao meu redor. Sinto o solo sob meus pés, a textura macia do solo, e o cheiro da terra.
          Corro como se eu fosse o próprio vento, ouvindo os passos ecoando na estrada deserta, uma melodia sincronizada com o pulsar acelerado do meu coração. Não me importo se esse milagre for efêmero, e permito que minhas pernas me guiem para onde desejarem, pois, pela primeira vez em muito tempo, experimento uma sensação de ser livre.
          A cada inspiração, inalo não apenas o ar abafado, mas também a promessa de uma fuga temporária das amarras que envolvem minha existência. Este breve momento de euforia sensorial é como um bálsamo para minha alma, uma pausa necessária na tumultuada jornada em que me encontro, proporcionando um vislumbre do que significa viver sem as sombras do passado, nem as loucuras do presente.
          No entanto, a liberdade é interrompida quando alguém agarra meus cabelos, e eu caio com o rosto nos espinhos, percebendo a presença de pelo menos uma dezena de pernas ao meu redor.
          — Está perdida, criança? — diz o mais alto do grupo, o mesmo ser que nunca deve ter tomado um banho na vida.
          — Eu ... — não consigo dizer nada.
          — É assim mesmo que eu gosto. — Não vejo quem está falando, mas logo o grupo abre passagem e outro homem vem em minha direção com a mesma expressão de um caçador quando encurrala sua presa.
          E, naquele momento, eu era a sua caça.

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