Abro os olhos com um esforço maior do que o normal, sentindo a luz atravessar as folhas das árvores acima de mim. O calor do sol contrasta com o ar fresco e úmido do ambiente ao meu redor, invadindo meus sentidos de uma forma que o abafado clima de Harmin jamais seria capaz, nem mesmo na estação das chuvas.
Confusão e incredulidade lutam dentro de mim enquanto me levanto, examinando meu entorno. As árvores se erguem imponentes, seus galhos entrelaçados formando uma cúpula verde acima. Cada folha parece vibrar com vida, e o canto suave dos pássaros cria uma sinfonia natural ao meu redor. Uma mistura de temor e fascínio percorre meu ser, pois percebo que não estou mais no jardim da casa de meu tio, mas sim no coração pulsante de um bosque mágico que desafia toda a minha compreensão da realidade.
Uma forte chacoalhada me tira do transe. Um choque de surpresa percorre meu corpo, e meus sentidos se aguçam. Instintivamente, reajo dando um tapa na garota à minha frente, meu coração disparado devido à mistura de medo e confusão que me domina. Não sei de onde ela surgiu ou quem ela seja, mas não me arrependo do tapa. Ela, por outro lado, parece não se importar em ter sido agredida, respondendo com um sorriso enigmático.
— Olá.
Mal ouço o que ela diz, pois o mundo se transforma em um mosaico de possibilidades impossíveis. Esfrego meus olhos e pisco, mas permaneço paralisada, um fantoche esperando a mão de seu mestre, pois parece que as camadas da realidade decidiram se sobrepor uma à outra.
Enquanto permaneço de olhos abertos, o mundo ao meu redor se divide em duas realidades conflitantes. Do meu olho esquerdo, sou confrontada com a visão da floresta onde a garota está, uma paisagem exuberante, com árvores que se estendem até onde a vista alcança. O ar ali tem um aroma fresco e úmido, carregado com a fragrância das flores silvestres que cobrem o chão, como se a própria natureza estivesse sussurrando em meus sentidos.
No entanto, do meu olho direito, capturo o esplendor do chafariz no jardim da casa de tio Apolinário, sob a luz suave e etérea das luas de Qwifir. As imagens se sobrepõem, em um emaranhado confuso de realidades diferentes, como se o tecido do tempo e do espaço estivesse desfazendo diante de mim. A água do chafariz parece dançar uma coreografia mágica, enquanto as estrelas cintilam como diamantes no céu noturno.
Nesse estado de dualidade, a confusão me envolve e uma sensação de terror começa a se formar em meu peito. Minhas pernas parecem chumbo, e minhas mãos não conseguem desvendar o mistério que está diante de mim, fazendo com que uma urgência desesperada tome conta de mim enquanto tento compreender o que está acontecendo.
A garota de cabelos amarelos parece saber pelo que estou passando, e sua voz suave ecoa em meus ouvidos, tentando me guiar através dessa dualidade assombrosa. Luto pelo anseio de manter os olhos fechados, enquanto escuto meu coração bater nos ouvidos, criando um contraste pulsante entre as realidades distintas.
— Nunca canso de ver a primeira vez de um Sankh. Nunca! Você até que se saiu muito bem, a maioria vomita. — Uma risada ecoa e é amplificada pela floresta. — Tente manter só um olho aberto. O olho que me enxerga, é claro! A propósito, me chamo Asi.
Com esforço, tento concentrar minha atenção na garota e no que ela está dizendo, mas o enjoo me assombra, tornando cada pensamento e movimento uma tarefa árdua. Estou presa nesse estado de dualidade, entre dois mundos, e o enjoo é a âncora que me mantém nesse limbo de realidades entrelaçadas.
Tento encontrar o equilíbrio mental que tanto me guiou em meus piores dias, me concentrando apenas em minha própria respiração e tenho relativo sucesso. Aos poucos, meus olhos começam a focar apenas no bosque que envolve a mim e a desconhecida chamada Asi.
— Menina, você já unificou a visão das duas vidas? Estou realmente impressionada.
— Duas vidas? — pergunto na tentativa de distrair meus sentidos, mas sem compreender exatamente o significado disso tudo.
— Sim, você está aqui e lá de onde você veio. Mesmo que já tenha unificado a visão daqui, muito provavelmente, a imagem de sua outra vida ainda deve estar em sua memória. Talvez se você prestar atenção.
E não é que uma cena se forma em minha mente, como se eu estivesse tendo uma visão? Dona Mima conversa comigo perto do chafariz da casa do tio Apolinário, enquanto me oferece seu braço para que me levante. Balanço a cabeça para afastar o pensamento indesejado, pois é só o que me falta ficar delirando acordada.
— Venha, você precisa esconder esses olhos. Conheço alguém que pode ajudar — Sem dar tempo para reação alguma, a garota me puxa pelo casaco.
— Esconder meus olhos? Do que você está falando? — pergunto em um torpor perplexo.
— Os olhos de Sankh. Eles valem uma fortuna no mercado clandestino.
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Princesa do Amanhã
FantasyDOLORES NASCEU COM APENAS UMA VIDA, MAS DESCOBRIU OUTRAS. Em "Princesa do Amanhã", passado e presente se fundem em um romance de fantasia repleto de ação, aventura e magia. Dolores pensa ser apenas uma garota de dezesseis anos, que ODEIA o próprio n...