Capítulo 02

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A INVISIBILIDADE

—  Quando está num lugar cheio de gente, ela sente como se não pertencesse àquele ambiente. A maior parte do tempo, não acha que tem nada de interessante a dizer, então fica num canto e não abre a boca. Quando consegue reunir coragem para falar o que pensa, das duas, uma: ou ninguém faz questão de ouvi-la ou atropelam sua fala. Sempre foram mais ruidosos, sempre muito mais confiantes do que ela.

Invisível, Invisível, Invisível.

Dessa vez a igreja estava um pouco cheia, as pessoas colocavam velas e faziam seus perdidos

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Dessa vez a igreja estava um pouco cheia, as pessoas colocavam velas e faziam seus perdidos. Algumas queimavam a sua comida favorito, com a intenção de que seus deuses a escutasse melhor. Tudo isso é uma tolice. Seguindo pelo corredor, na parte de trás, examinei os quatro confessionários, certificando-me de que não havia luzes acesas que sinalizassem um padre lá dentro.

Como estavam todos vazios, desci para a extrema direita, escolhendo o último cubículo, parcialmente escondido atrás de uma coluna e bem próximo aos vitrais.
Afastei a cortina e entrei, fechando-me na escuridão súbita. O cheiro de madeira velha me cercou, mas havia algo mais que notei fracamente.

Um leve toque do que havia do lado de fora. Brisa marítima. Sentado na banqueta de madeira, olhei para a tela de vime escura à minha frente, sabendo que o outro lado estava vazio. Todos os padres já haviam voltado para seus outros deveres diários. Exatamente como eu gostava. Eu sempre fazia aquilo sozinha.

Inclinei-me, cotovelos nos joelhos, e apertei as mãos. Os músculos dos meus braços tensionaram.

— Perdoe-me, padre, porque pequei — eu disse em voz baixa. — Faz um mês desde a minha última confissão.

Engoli em seco, sempre mais consciente de que quando um padre não estava me ouvindo, eu estava. E, acredite ou não, isso às vezes era mais difícil. Ninguém para me oferecer perdão, a não ser eu mesmo.

— Eu sei que você não está aí — disse ao lugar vazio do outro lado. — Sei que estou fazendo isso há muito tempo para continuar dando desculpas, mas... — dei uma pausa, procurando por palavras. — Mas, às vezes, só consigo falar quando ninguém está ouvindo.

Respirei fundo, deixando cair meus escudos.

— Acho que só preciso dizer as coisas em voz alta. — Mesmo que não recebesse a penitência barata que sequer era capaz de absolver a culpa.

Inspirei profundamente o cheiro de brisa do mar, sem saber de onde vinha, mas isso me fez sentir como se estivesse em uma caverna. A salvo dos olhos e ouvidos.

— Eu não preciso de você. Só preciso deste lugar — admiti. — O que há de errado comigo? Por que tudo que eu faço nunca é o suficiente? Não importa o que eu faça, nada vai agradar elas, e sempre serei a loba nojenta e rejeitada.

A bruxa escarlate| ᵃᶻʳⁱᵉˡ Onde histórias criam vida. Descubra agora