Capítulo VI - Espacistas

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Contagem de palavras: 1210

Não estava mais nas escadarias de pedra super iluminadas. Estava em um lugar vasto, escuro, populado por colunas grossas de pedra. Era um lugar de silêncio completo e até respirar era ruim, um ar de poeira pura que ressecava o nariz.

Na sua frente estava sua irmã, sentada sobre panos no chão, com um grande círculo de velas a cercando. Idrissa era uma mulher mais velha que Artur, com cabelos loiros escuros arranjados em um coque e olhos verdes que pareciam brilhar agora.

— Isso...é algum tipo de ilusão? — perguntou o garoto, olhando os arredores.

— Não — respondeu ela — estamos na fundação da casa. Não é uma ilusão, eu te trouxe aqui com magia.

Artur parou a sua observação maravilhada e olhou surpreso para a sua irmã. Magia de transporte não era novidade para ele, ele já tinha viajado assim (ou melhor, o Mago das Visões já tinha) muitas vezes. Mas isso era algo que ele só viu nas suas visões, não era algo comum no mundo. Magia de transporte era incrivelmente rara, na verdade.

— Como...?

 — Kailor me emprestou — Ela acena as mãos e um livro surge na sua frente, em cima dos panos. Era grosso, com capa dura azul com escritas cursivas douradas — Magia espacial. Para lutar na guerra.

As últimas palavras sopraram para longe o encanto de Artur.

— Você também quer lutar então...

Ela confirma com a cabeça.

— Eu imaginei que você não gostaria. Mas eu não posso sair daqui enquanto algo tão grande acontece.

— Pode acabar te matando, Idrissa.

— Nosso pai diz o mesmo. É por isso ele que me quer em Nya. Mas os motivos dele são os meus, a dor dele é a minha. E a determinação também. Minha mãe morreu nas mãos daquelas pessoas, alguns dos meus melhores amigos também. É perigoso, sem dúvida, mas eu sou a próxima na linha de sucessão dessa família; se eu fugir do perigo e voltar quando tudo estiver bem, vou merecer esse título?

Artur não falou nada, sentia a garganta amarrada em um nó e os olhos começavam a ficar molhados. Mais uma vez ele estava naquela situação complicada: Não tinha como refutar as dores de Idrissa, mas não queria sua irmã em uma guerra. Depois de alguns segundos ele conseguiu desatar o nó e falar:

— Como será com Tomas? — disse, no tom menos choroso que conseguia fazer agora.

— Conversei com ele. Dei opções. Eu poderia usar a magia espacial para levar ele bem longe. Mas ele preferiu lutar também. Ele é bom com a espada e será um financiador dos nossos aliados.

— Bem.. parece que você já tomou conta de tudo então. Obrigado por me avisar. Vou dizer ao nosso pai que não consegui te convencer. Se puder me levar de volta para onde eu estava, eu agradeço.

— Sinto muito, Artur.

— Só... me coloca na escada, Idrissa

— Preciso de um favor, na verdade — ela pegou o livro e o ergueu até o irmão — eu já terminei esse volume. Gostaria que você o devolvesse para Kailor e pegasse o segundo para eu começar o quanto antes.

— Tudo bem — disse enquanto pegava o objeto.

Deu uma olhada na capa, era só uma passada de olho que costuma durar um segundo. Mas durou bem mais do que isso. Olhar de tão perto para a escrita dourada na capa gerou um sentimento misterioso e prendeu sua atenção.

 A tristeza recuou um pouco e um sorrisinho surgiu ao ler as palavras. Era uma frase muito pretensiosa. "Com um gesto, eu esvazio o mundo". Pelo visto, o mago que escreveu aquilo era alguém muito poderoso e convencido.

Um pensamento se formou e Artur o disse em volta alta:

— Por que ele lhe deu uma magia de transporte? Se é para lutar em uma guerra, magias elementais ou de domínio seriam mais úteis.

— Perguntei o mesmo, mas ele me disse que, no passado, os melhores magos na guerra eram os que usavam essa técnica — aponta para o livro nas mãos de Artur — para lutar. Magos chamados Espacistas. Imagine só o terror que eles eram: Em um segundo,  poderiam mandar dezenas de inimigos para fora do campo de batalha, para armadilhas até. Ou eram mais sutis, sumindo com as armas e comida do inimigo dias antes da batalha.

Idrissa falava entusiasmada. Os tempos eram sombrios e incertos, mas estudar aquele livro e sua história tinha sido uma experiência aventuresca e misteriosa. Mágica. Ela não conseguia não se empolgar falando disso. Continuou:

— O título do livro descreve os Espacistas e o seu ideal: O Espacista perfeito, com um gesto de mão, poderia fazer todas as coisas do mundo desaparecerem, irem para outro mundo. "Com um gesto, eu esvazio o mundo".

A atenção de Artur não estava com a irmã. A história dos incríveis Espacistas entrava por um ouvido e saía pelo outro. O seu olhar estava fixo na escrita dourada e aquele sentimento misterioso começava a crescer dentro dele.

Mas quando Idrissa disse a frase... Aí sim foi diferente. Não entrou por um ouvido e saiu por outro, entrou e ficou na alma. Algo se moveu em Artur, o sentimento se espalhou mais, tomou conta da boca e disse:

— "Com um gesto, eu esvazio o mundo. Com um passo, eu ando pelo infinito"

Idrissa olhou para seu irmão com os olhos arregalados. Ela viu o segundo volume quando pegara o primeiro e o título dele era justamente "Com um passo, eu ando pelo infinito".

— Essa última parte é o título do segundo livro, como você sabe disso??

O irmão não respondeu. Seu olhar ainda estava perdido no azul e no dourado.

— Artur! — levantou o tom de voz.

— Ah! — finalmente prestou atenção na irmã — eu devo ter visto os livros na biblioteca de Kailor um tempo atrás — não tinha memória nenhuma disso, mas era a única possibilidade sensata —Os dois parecem metades de uma mesma frase, então falei juntos.

Kailor os guardava em uma biblioteca secreta, precisei fazer muitos favores e  argumentar muito para que ele me levasse até lá. Meu irmão e ele são tão próximos assim? Por que?  Será que o mago viu algo em Artur? Talento escondido? Isso explicaria mostrar conhecimento secreto a ele... Se for o caso, são ótimas notícias para Artur!

Ela sorriu.

— Bem, vamos logo. Eu preciso do segundo volume rapidamente. Será muito lento se você pegar a carruagem, então vou te mandar com magia, tudo bem?

Artur fez que sim com a cabeça, bastante animado. A tristeza tinha sido afastada pelo livro e o sentimento esquisito. Ele ainda pensava na guerra e na irmã, mas por algum motivo isso parecia secundário.

Idrissa começou a mover as mãos de maneira esquisita, como se acompanhassem o fluxo de alguma coisa. Em alguns instantes começou com um sussurro também, sussurro de palavras estranhas com sons esquisitos.

Os arredores se distorceram. De repente tudo parecia estar passando ao redor de Artur super rápido, exatamente como a paisagem parecia para o Mago dos Sonhos quando ele voava. Olhando para as imagens distorcidas que passavam, Artur conseguia ver que parecia estar atravessando a cidade em uma velocidade absurda. Via pessoas e casas como borrões coloridos.

— Não se mova — a voz de Idrissa soou — você é como um fantasma agora, atravessando pessoas e paredes. Mas se mover... bem, só não se mova.



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