4. Natal Imperfeito

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Um mês após a morte de Cristina Chanko

- Alô! - Uma voz serena e suave tentava, sem esforço, superar o tumulto da rua Main Ave, composto pelo rugido dos carros em alta velocidade e pelas conversas frívolas dos pedestres apressados.

- Alô? Doma, é você? Onde você está? Precisa de algo? Está tudo bem? - Joe atacava seus próprios nervos desnecessariamente, algo que sempre irritava Doma.

- Acalme-se, Joe. É evidente que estou bem. - Doma franziu a testa em desdém. Ser vista como indefesa, como um objeto frágil a ser mantido em uma redoma, era algo que a desagradava profundamente. - A primeira consulta foi... exatamente como eu previa.

- Ufa! Era isso que eu mais ansiava ouvir. - Joe suspirou, aliviado, passando a mão pela cabeça.

- Prosseguindo, estou do lado de fora do consultório. E você, já chegou da escola?

Obviamente, Joe não contaria a verdade. Ele havia matado aula para receber seu amor em casa. O início do namoro era marcado por uma paixão arrebatadora, que relegava as responsabilidades a segundo plano. A Sra. Castanõ, mãe de Joe, não se importava com suas faltas, desde que não fosse chamada à escola. Seria uma vergonha terrível, especialmente considerando que o irmão de Joe era um exemplo de conduta. O trabalho o impedia de permanecer na pequena Durango por muito tempo, e suas visitas se limitavam a feriados. Apesar disso, o amor de Ruan Castanõ por seu irmão era inabalável.

- Claro. Há há! - Joe não se esforçou para esboçar uma risada minimamente crível. - Já estou em casa! Por quê?

- Bem... são quinze e treze. - Doma fitou seu relógio de pulso com desdém.

O garoto pulou da cama abruptamente, provocando um rangido incômodo. Correu em direção à pequena cômoda para "apunhalar" o alarme, fiel guardião do tempo.

- Droga! - Joe não resistiu a um suculento tapa no objeto indefeso.

- O que disse? - Doma esboçou um sorriso travesso, como quem o havia pego no pulo.

- Eu disse que... - medindo as palavras calmamente, pois a paciência lhe escapava por entre elas - a energia da escola falhou. Então a Srta. Marly orientou cada sala, uma por uma. Tudo ocorreu sem problemas e fomos formalmente liberados. - Joe torcia fervorosamente para que Doma acreditasse em sua história.

Doma silenciou o telefone e explodiu em gargalhadas genuínas, apoiando-se em um poste para evitar tombar no asfalto frio. Os transeuntes do outro lado da rua a observavam com expressões que variavam entre perplexidade e repulsa. Afinal, ela havia acabado de sair de um consultório de psicologia, e o estigma em torno da saúde mental era forte nos anos oitenta. Durango não era exceção. Entrando na brincadeira de desrespeito mútuo, Doma ergueu o dedo do meio para qualquer um que ousasse encará-la, inabalável.

- Tudo bem, compreendo. Receio que terei que te fazer andar. Sim, usar as pernas, essa coisa toda até a Castanõ. Seu computador está sempre lá, e preciso urgentemente fazer algumas pesquisas na internet. - E não estava... O computador de Joe estava em sua casa, usado para "diversões" com seu namorado. - Enfim, preste atenção no que vou dizer.

- Doma, você está me assustando. - Joe começou a se vestir, começando pela calça para esconder a ridícula cueca samba-canção estampada com corações.

- Você não é o único. Entre todas as bizarrices que o tal doutor meia-tigela me fez passar, algumas foram realmente peculiares. Eu já esperava algo assim, como aqueles interrogatórios... Já passei por isso quando... Ah, você sabe. - Doma virou-se para a esquerda e começou a andar com passos ligeiramente apressados. - Mas as coisas escalaram para o lado escatológico em certo momento. Você ainda está me ouvindo? - Doma tirou o celular da orelha e o encarou, confusa.

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