6. Blackout

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Um mês após a morte de Cristina Chanko

A decisão estava tomada, como sempre, envolta em sabedoria, ao menos em sua mente. Quão fútil era a busca incessante do cão pelo próprio rabo. Jogar-se aos lobos não garantia vitória, e o medo de ser dilacerada, pedaço por pedaço, era real. Öga för Öga. O inimigo de cada dia torna-se o aliado à noite, e assim o plano de Doma se inicia.

Envolta em musgo e adornada com tijolos antigos, a biblioteca pública se tornara o novo lar de Joe. Ali ele permaneceria pelo tempo necessário para concluir seu trabalho não-remunerado. O local ficava próximo ao jardim botânico, e o lazer se limitava à contemplação das águas geladas e lentas do Rio Animas. O garoto adorava sentir a correnteza acariciando seus pés, enquanto fechava os olhos, erguia a cabeça para o céu e apoiava os braços na grama macia. Permitia-se ser dominado pelo desejo de viver a vida por outros olhos, ou mesmo por nenhum.

Leves toques nos ombros, na cabeça e na nuca o despertaram de seu devaneio. A cada novo toque, a intensidade aumentava. Seria mais fácil ignorar, mas os problemas sempre são fáceis de ignorar, caso contrário, se chamariam realidade.

O dever me chama.

— Não, Doma, ainda não consegui encontrar informações sobre a tal secretária. — Joe nem se deu ao trabalho de abrir os olhos, respondendo com um tom condescendente.

— Eu não... Eu não vim aqui para isso. Reconheço seu árduo trabalho. Pegue, eu mesma fiz. — Doma entregou a ele um saco plástico marrom, ainda quente.

O que eu me tornei? Uma carrasca?

— Grato. — Joe abriu a sacola como um investigador criminalista examinando uma nova cena de crime. Em seguida, encarou Doma com os olhos arregalados, mutuamente inexpressivos.

— Não vê o óbvio? — perguntou Joe, com a voz carregada de frustração.

— É o que você queria? — A garota observava a angústia dele enquanto ele tirava um hambúrguer do saco.

— Esqueça isso, preciso focar! Foco! Doma. — Joe gesticulava para a biblioteca com as duas mãos, apontando com os dedos em riste. O problema real é sempre a realidade, os empecilhos fantasiosos estão nos métodos.

Doma assentia, mesmo sem entender completamente.

— Entendo perfeitamente! Você está sugerindo que abandonemos os livros e escrituras do passado e passemos a escutar o que as pessoas têm a nos dizer? Elas nos darão as respostas. O novo método consiste em algo avesso à corrupção. Factível ao extremo.

— Gênia, é isso que você é. E... Não, eu não estava pensando nisso. — Joe deu um sorriso torto.

A empolgação tomou conta de ambos.

— De qualquer forma, dará certo. E termine o seu lanche, você ainda está no horário de descanso.

— Eu tenho horário de descanso? — Joe deu mais uma mordida no hambúrguer, a maionese escorrendo pelo canto da boca.

* * *

O silêncio da biblioteca envolveu Joe como um sopro áspero de misericórdia. Para ele, nada era tão tranquilo quanto sentar-se à mesa e encontrar nos arquivos da sessão “Eventos Marcantes da Década de Cinquenta” a grande apresentação de rock. Ali, nas imagens incolores, estava o Sr. Castanõ, estiloso como sempre.

Enquanto isso, Doma, com passos apressados, perambulava pela biblioteca em busca de “idosos de memória intacta”. Por mais que não fosse possível saber pela face. Eles poderiam ser a resposta. Eles precisam ser a resposta.

Sonho EspelhadoOnde histórias criam vida. Descubra agora