Um mês após a morte de Cristina Chanko
Doma, impaciente, dominava a poltrona da sala de espera do consultório. Uma tiara preta reinava sobre seus cabelos, em perfeita sintonia com a bolsa de alça longa - presente dos avós vilanazes - que ela guardava junto ao corpo como um fóssil precioso. Em seus pensamentos, invejava Joe, o guardião das notícias dos anos oitenta, desvendando os mistérios de Poêmia Cruz. Ela era capaz de imaginar ele desfrutando a tarefa, transformando a biblioteca em um oásis de paz intermitente.
Ele merece.
Conforme prometido no dia anterior, ela pretendia enfrentar o diabo. No entanto, a perspectiva de presenciar Dona Vera, petrificada no balcão, assistindo "Mais Você", seu programa de culinária favorito, não era das mais empolgantes.
A senhora já havia sido gentilmente recusada quatro vezes ao oferecer chá de gengibre à garota, seguindo os preceitos da mais pura educação que o mundo almejava. Os olhares enviesados de Doma eram recebidos com outros ainda mais enigmáticos, seguidos de um sorriso contido e impecavelmente maquiado.
Doma pigarreou, assumindo uma postura séria. Sentia a necessidade de se impor. Não havia outra alternativa.
- Onde fica o banheiro? - perguntou ela, erguendo-se como uma fênix das cinzas. Ainda uma garota.
- Por ali, querida - Vera indicou com a mão direita, onde um longo corredor branco se desenrolava como um pergaminho infinito. Parecia ultrapassar os limites da construção, a julgar pela visão externa.
Doma cruzou a porta que indicava "Área de Funcionários" e depois outra de "Banheiro Masculino". O feminino logo à frente, a porta silente se rendeu a um tímido "clique". O toilette oferecia uma experiência aromática e impecavelmente organizada, em estado de total hibernação.
A garota não perdeu tempo: atirou a bolsa sobre a pia e, de suas profundezas, extraiu microfones rudimentares minúsculos, quase invisíveis. Doma estava preparada para a missão. O primeiro dos três foi instalado em um vaso de samambaia artificial, enquanto risadas escarnecedoras escapavam de seus lábios ao fechar a porta e retornar à sala.
Jamais seria regada, mesmo.
Doma, ostentando uma ousadia inabalável, reuniu as migalhas de pudor que lhe restavam - seu "ingrediente secreto" - e plantou-se à frente do balcão, bloqueando por completo a visão de Dona Vera para a TV, arrancando-a abruptamente de seu devaneio culinário. A senhora falhou miseravelmente em disfarçar seu descontentamento. Ela não era paga o suficiente para se sujeitar àquilo...
Ou era? Essa era a resposta que Doma precisava arrancar.
Vencendo a batalha de dissimulações, Doma expôs-se ao perigo. Com dedos minuciosos e gestos delicados, instalou o segundo microfone sob a superfície lisa do balcão, em um ponto cego. Agora, faltava apenas descobrir o motivo da afronta.
- O que você deseja? - Dona Vera, dessa vez, não esboçou o menor sorriso falso. O que havia mudado? Para onde fora o habitual e singelo "querida"?
- Bem, querida Verônica, confesso que me apaixonei pelo chá que você me preparou na primeira consulta. Gostaria de conhecê-la melhor, ir além dos seus gostos culinários. - Doma sorriu com pragmatismo. Era impossível mensurar até que ponto chegaria, nem mesmo ela própria sabia. As artimanhas da semiótica eram imprevisíveis.
- Como por exemplo...? - Dona Vera era pura apreensão, quase palpável. A semiótica mantinha uma aliada poderosa em momentos como este. Havia motivo para tanto temor?
- Como por exemplo, o que a trouxe para a pacata Durango? Certamente não foi a vista, sejamos sinceras... - Doma sorriu com ironia.
- Doma, por favor, nossa relação se limita a profissional, cliente e funcionário. Não há razão para... - A garota a interrompeu com leves meneios de cabeça e estalos palatais.
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Sonho Espelhado
Science FictionCristina, a renomada cientista de Durango, falece, deixando para trás segredos ocultos que mudam o destino da pacata Durango. Doma, uma estudante do ensino médio, inadvertidamente se depara com esses segredos, garantindo que eles não caiam no esque...