Capítulo 6

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Ainda parado em frente a TV eu tentava me conectar às lembranças que vieram, mas a única coisa que consegui foi uma dor de cabeça ainda pior.

A pior parte de perder as lembranças de uma vida é que nada parece fazer sentido aqui. Tenho essas crianças que são bastante apegadas a mim e eu sinto que devo protegê-las com tudo o que tenho, contudo existe um vácuo dentro de mim e me deixar sem saber onde ir. Além do que existe o Jungkook na equação. Ele não está mentindo, em algum momento eu realmente o amei, mas dentro da minha cabeça eu ainda sou um pirralho que mora com os pais.

O resto do dia foi estranho, tudo tinha um ar de familiaridade que eu não sabia explicar, eu até agi de maneira automática quando se fala em preparar o almoço, uma parte de mim sabia onde as coisas ficavam e o que eu deveria fazer para Sunwoo. Eu não sabia o que pensar sobre isso. Quando finalmente o Jeon chegou eu saí do modo automático. Ele parecia notar que alguma coisa estava errada por que ele me olhava a cada segundo, eu podia sentir seu olhar em mim.

À noite eu coloquei as crianças na cama e ao sair do quarto do Soobin vi o Jeon parado do outro lado do corredor, ele estava com os braços cruzados e rosto sério. Engoli em seco sabendo que ele deveria me interrogar sobre meu suposto comportamento.

Ele suspirou e veio se aproximando de mim.

— O que ta acontecendo?

Fechei a porta do quarto vindo em direção ao quarto que deveríamos compartilhar.

— Não é nada. — eu disse.

— Yoongi...

— Só, só aconteceu alguma coisa que eu não sei explicar.

Fui andando para o quarto com ele vindo atrás de mim.

— Então o que foi?

Me sentei na cama e fiquei alisando o lençol embaixo de mim, olhei para os lados em busca de coragem, que por mais que seja uma coisa boa eu não sabia como dizer.

— Acho, acho que me lembrei de algumas coisas.

Finalmente o olhei e ele estava chocado, sua boca estava aberta.

— Co-como assim? — ele perguntou se ajoelhando na minha frente.

— Bem, mais cedo eu estava fazendo algumas coisas e tive uma lembrança, acho que foi isso, estava na praia e você estava lá. — fechei meus olhos — Tinha o barulho do mar e eu sentia a brisa no meu rosto.

— Você, você lembrou da praia?

— Sim, você estava lá. — abri os olhos. Ele me olhava daquele jeito que só ele podia, olhos como o universo, escuros e brilhantes.

— Acho que foi uma viagem que a gente fez quando eu te pedi em casamento.

— Foi na praia?

— Sim, no verão. A gente se hospedou em uma pousada a beira mar, você adorou o coquetel de lá. — ele sorriu olhando para baixo — Acho que é um bom começo.

— É, acho que sim. — me senti desconcertado — Como você tá com isso?

— Eu não sei direito, só estou meio estranho por que eu conseguia sentir muito daquilo da memória e é tão estranho por que eu também só me vejo adolescente e então vem as crianças, eu sinto que devo protegê-las a todo custo, mas também não sei como fazer isso e aí vem você... Você que parece chateado por eu não lembrar de nada e ao mesmo tempo fica tão presente. — olho para os lados — A casa é como eu sonhei desde sempre, tem minha essência aqui, mas eu também vejo coisa sua e das crianças... É um verdadeiro lar e eu não consigo me lembrar desde quando... — nesse ponto eu estava segurando as lágrimas, por uma culpa que eu nem sabia que existia.

Jungkook veio até mim e me abraçou, eu chorei mais porque eu sentia que ele não merecia isso, quer dizer eu lembro de odiá-lo, mas essa nova lembrança me dizia o contrário. Era um sentimento muito meu e eu fiquei tão confuso.

Sua mão alisava minha nuca enquanto a outra alisava minhas costas, era reconfortante ter esse contato. Eu chorei mais em seu ombro e ele me acalentou com ternura e gentileza que eu nem sabia que ele era capaz de dar.

— Desculpa. — eu disse com a voz quebradiça e fungando enquanto me afastava para ver seu rosto.

Jungkook estava sério, mas não raivoso, parecia preocupado comigo, eu acho. Ele colocou uma mecha de cabelo meu atrás da orelha olhando meu rosto em contemplação, ele tinha tanto amor carregado nos olhos, esses olhos redondos, escuros e brilhantes.

— Não precisa se desculpar por nada meu Yoon. — ele disse baixinho — Isso tá sendo difícil para você e é culpa minha que não tenha reparado nisso, estava tão envolvido nos meus sentimentos egoístas que não pensei em como estava sendo para você.

— M-mas — funguei — mas você tem todas as lembranças de uma vida que eu não conheço e as crianças também. Sinto que tô falhando em alguma coisa importante.

— Não, não não! — ele disse em contrapartida — Você não tá falhando em nada, olha só como você ta hoje mesmo sem se lembrar de mim ou das crianças? Você está cuidando delas com tudo o que tem e é mais do que eu deveria pedir a você.

Assenti para ele agora envergonhado por ter admitido tudo isso para o Jeon. Até onde me lembro ele e eu somos inimigos declarados.

— Vem, vamos levantar e vá tomar um banho enquanto eu preparo um chá para você.

— Ok. — disse baixo.

Fui até o banheiro e me despi rapidamente para ir debaixo da ducha quente e forte. A água relaxou meus músculos e as lágrimas de mais cedo limparam minha alma. Era como estar novo em folha. Ao sair do banheiro vestido adequadamente e secando meus cabelos eu o vi sentado na cama com uma bandeja do lado onde tinha duas xícaras.

— Fiz um chá para a gente.

Me aproximei e me sentei ao seu lado, ele pegou as xícaras e meu deu uma. De frente estava a porta da varanda ainda aberta e fazendo as cortinas brancas e finas voarem devagar. Dava para ver o céu escuro e sem estrelas.

Naquela noite quando ele se deitou ao meu lado eu pensei mais sobre a lembrança de mais cedo e sonhei com um toque gentil, beijos doces e sinceros.

De Repente 30Onde histórias criam vida. Descubra agora