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Dia 29 de fevereiro, Rosa.

Havia se passado algum tempo desde que Taehyung desaparecera. Durante o intervalo, notei sua ausência à minha frente, algo que se tornara habitual ao longo da semana. Seja ficando em silêncio ou conversando sozinho ao meu lado, eu optava por ignorá-lo. Suas perguntas e dúvidas pareciam desprovidas de sentido e não contribuíam em nada, então, não via motivo para respondê-las. No entanto, ele persistia em permanecer junto a mim, por razões que me escapavam.

Decidi aproveitar o restante do intervalo para devolver o livro que havia pego emprestado: "Thinking, Fast and Slow", de Daniel Kahneman. Tinha terminado de lê-lo na noite anterior e optei por devolvê-lo naquele dia, a fim de não ter pendências e escolher uma nova obra para ocupar minha mente. Ler livros era uma tarefa fácil; a teoria sobre a mente humana apresentada era simples e compreensível. No entanto, sua aplicação na prática era desafiadora, o que tornava o processo um tanto estimulante. Mas, talvez, encontrasse respostas no futuro.

Quando me preparava para adentrar a biblioteca, esbarrei em um grupo de garotos, cujos sussurros tangenciavam o nome do Taehyung. Ao perceberem minha presença, limitaram-se a rir antes de se afastarem. Histórias passadas já me fizeram alvo de piadas, mas minha falta de reação sempre os dissuadiu, surpreendendo aqueles que esperavam uma resposta. Não importava o que tentassem, não arrancavam de mim nem uma lágrima, nem um gesto de revide. Essa impassibilidade apenas ampliava minha estranheza aos olhos alheios.

Adentrei a biblioteca sem atribuir grande importância ao incidente anterior; ele simplesmente não me dizia respeito. Procurei pela bibliotecária em vão, o que era extremamente incomum. Embora a ausência de frequentadores fosse comum, nunca antes havia me deparado com a falta de um funcionário. Minha busca por ela acabou por me conduzir a uma descoberta inesperada: Kim Taehyung. Ele estava sentado no chão, recostado em uma estante de livros, os braços apoiados nas pernas e o rosto oculto, embora fosse evidente que chorava.

Sentei-me ao lado dele, deixando o livro que segurava descansar no meu colo enquanto o observava atentamente. A contemplação dos humanos em prantos é um fenômeno intrigante; suas lágrimas, seja por tristeza ou alegria, carregam consigo uma profundidade emocional singular, capaz de transbordar em um choro sincero. É fascinante.

Seu olhar encontrou o meu, os olhos cintilantes refletindo as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto. Parecia aguardar algo de mim, uma palavra ou um gesto, mas nada surgiu além da minha observação silenciosa, como era de costume. Mesmo com o rosto marcado pela dor, ele ainda encontrou espaço para sorrir entre as lágrimas.

— Você sabia que as pessoas não foram feitas para viver na solidão? Fomos criados para conviver em sociedade; nenhum ser humano consegue subsistir completamente isolado. — Ele enxugou as lágrimas, exibindo um sorriso tão doce que parecia contradizer a dor estampada em seu rosto ferido.

— Então eu não sou humano, — murmurei, mais para mim mesmo do que para ele.

— Claro que é! — Ele rebateu com uma convicção inabalável. — Mesmo que às vezes você pareça mais um robô, continua sendo humano.

Um humano se importaria com seu estado atual, refleti, desviando o olhar para a estante repleta de livros à minha frente, enquanto Kim me observava atentamente.

— Não te culpo, sei que deve ter passado por muita coisa pra estar se prendendo a não sentir dessa forma. — Ele disse calmamente, apoiando sua cabeça em meu ombro e entrelaçando levemente sua mão na minha, que estava quente, tão diferente da minha própria, criando uma sensação reconfortante na minha pele. Deixei-o agir conforme sua vontade, como sempre fazia. Por que alguém como ele estaria tão interessado em alguém como eu? Não faz sentido. Ele está se machucando só por estar ao meu lado, e nem parece se importar. Ainda assim, ele consegue sorrir para mim.

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