06. Coração de Motoqueiro.

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Vincent' s point of view.

Se passaram seis semanas desde a corrida de motos em que os policiais apareceram, e desde então, nunca mais vi a morena que estava na minha garupa. Seu rosto permaneceu uma memória fugaz, uma presença passageira em meio àquela noite turbulenta. Tentei encontrá-la nos dias seguintes, mas as pistas desapareceram no ar como fumaça. Enquanto eu observava a rua movimentada pela janela do meu apartamento, não pude deixar de me perguntar o que teria acontecido com ela. Se ela estaria bem, ou se teria se envolvido em problemas por causa daquela noite. No entanto, uma parte de mim sabia que era improvável que a encontrasse novamente. A vida na cidade era assim, encontros e despedidas rápidas, onde as pessoas entravam e saíam da sua vida sem aviso prévio.

Desde aquele dia, tenho me ocupado com o que realmente importa: meu negócio de customização de motos. O barulho do motor e a sensação de liberdade são minha verdadeira paixão. E, é claro, as festas. Sempre há uma festa em algum lugar, com bebida à vontade e mulheres bonitas para alegrar a noite.

Minha vida é simples assim: dinheiro, motos e diversão. Complicação é para os fracos. E por que se preocupar com uma garota quando há tantas outras por aí? É assim que eu vejo as coisas, e até agora, tem funcionado para mim. No fundo, sei que essa atitude se deve em parte à perda de minha mãe. Ela se foi quando eu era ainda jovem, deixando-me à mercê de um pai que nunca soube lidar com a dor. A partir daquele dia, ele mergulhou no abismo da depressão e do álcool, e eu fui deixado para trás, tentando lidar com meus próprios demônios enquanto via meu pai se afundar cada vez mais.

Aprendi desde cedo que o amor só trazia dor e sofrimento, uma lição que foi reforçada pelas experiências que testemunhei em casa. Então, decidi que não valia a pena me envolver emocionalmente com ninguém. Em vez disso, optei por uma vida de prazeres passageiros, onde eu pudesse controlar minhas próprias emoções e evitar qualquer possibilidade de ser machucado novamente. É por isso que nunca dei uma chance real ao amor, sempre mantendo as pessoas à distância e mantendo meu coração fechado a qualquer possibilidade de conexão genuína. E mesmo que às vezes eu me pergunte se estou fazendo a escolha certa, é difícil mudar o padrão de uma vida inteira.

Naquela noite, estava com uma garota em minha cama, não me importei em perguntar seu nome. Seus cabelos longos e o doce perfume que exalava eram tudo que eu precisava naquele momento fugaz de prazer. Sabia que depois daquela noite, nunca mais a veria. Afinal, esse era o padrão da minha vida: encontros passageiros, sem compromissos, sem nomes, apenas a busca incessante pelo próximo momento de prazer.
Percebo a movimentação em minha cama e vejo a loira de cabelos longos se levantar, nua, e vir por trás de mim, abraçando minha cintura com seus braços finos.

— Tivemos uma noite inteira juntos e você ainda não me perguntou o meu nome. - ela murmurou, com uma mistura de desapontamento na sua voz.

— Por que eu deveria?" respondi, indiferente.
— Não é como se fossemos nos ver novamente. -
Ela riu, mas havia uma nota de tristeza em seu riso. 

— Você é diferente, Torrance. Diferente de todos os caras que conheci.

— Isso é o que todas dizem. - eu disse, com um sorriso de canto. - Mas no final, somos todos iguais.

— Já deu por hoje. - murmurei, minha voz fria e distante.  — Você pode ir agora.

Seus olhos se arregalaram ligeiramente, surpresos com a brusquidão das minhas palavras. Ela começou a se afastar de mim, uma expressão de decepção cruzando seu rosto.

— Desculpe, pensei que... - ela começou a dizer, mas a interrompi antes que pudesse terminar.

— Não importa o que você pensou - cortei, minha paciência se esgotando rapidamente.  — Você já teve seu tempo aqui. Agora vá embora.

Ela assentiu, recolhendo suas roupas apressadamente enquanto eu me virava, incapaz de suportar a visão de sua expressão magoada. Me acomodei na cama, puxando a fina coberta para me aquecer. Caleb bateu à porta e eu o deixei entrar.
Caleb era o meu melhor amigo e também dividia apartamento comigo. Ele estava aqui desde a minha adolescência, ele presenciou todos os acontecimentos da minha vida e até mesmo a morta da minha vida. Desde então, Caleb tenta mandar em mim e me colocar no lugar, mas sabe que é quase que impossível isso dar certo.

— Qual é, cara? O que você fez para fazer essa garota sair daqui chorando? - ele perguntou, com uma expressão de preocupação misturada com curiosidade. Se sentou em minha cama e esperou uma resposta sair de minha boca.

— Não fiz nada demais. - respondi, dando de ombros.  — Apenas disse que ela podia ir embora. Não temos tempo para dramas.

Caleb franziu o cenho, claramente desconfortável com minha atitude.  — Você poderia ter sido mais gentil, cara. Ela é uma pessoa, não um brinquedo que você usa e depois joga fora.

Revirei os olhos, irritado com sua intromissão.  — E desde quando você virou o defensor das donzelas em perigo? Não se intrometa na minha vida, Caleb.

— Você sabe que nada pode te livrar dessa dor, Vincent. E você sabe bem do que eu estou falando. Nem mesmo do amor você pode se livrar. Quando a mulher certa aparecer na sua vida, não há nada que possa fazer. - Caleb deu o seu discurso de forma grossa e rápida, com um tom de raiva em sua voz. Se levantou da cama e bateu a porta.

Após Caleb sair do quarto, uma sensação de desconforto toma conta de mim. Reconheço minha grosseria e suspiro, percebendo que não posso continuar assim.
Me levanto decidido, vestindo uma camisa preta e seguindo para meu espaço de treino no quarto. Com as luvas calçadas, dirijo-me ao saco de boxe, deixando escapar a tensão acumulada com cada golpe. O som dos socos ecoa pelo quarto, preenchendo o espaço com minha determinação e foco. Cada golpe é uma liberação, uma forma de lidar com as emoções conflitantes que habitam dentro de mim. À medida que desferia golpes contra o saco de boxe, sentia a tensão acumulada em meus músculos se dissipar lentamente. Cada soco era um grito de liberdade, um meio de me libertar das correntes invisíveis que me prendiam ao passado sombrio. No ringue, eu era imbatível, um verdadeiro lutador, capaz de enfrentar qualquer desafio com coragem e determinação. Mas quando as luzes se apagavam e o ringue ficava vazio, eu era apenas Torrance, o garoto atormentado pela dor e pela solidão

À medida que a sessão de treinamento avançava, minha mente se acalmava e uma sensação de paz interior se instalava. O boxe não apenas me proporcionava uma válvula de escape para minhas emoções turbulentas, mas também me ajudava a encontrar clareza e foco em meio ao caos da vida. Por um breve momento, eu me sentia vivo, revigorado pela adrenalina da luta e pela certeza de que, enquanto estivesse no ringue, nada poderia me deter.

Enquanto eu desferia os golpes no saco de boxe, minha mente vagava por lembranças antigas e pensamentos sombrios. Recordava-me da sensação de impotência ao ver minha mãe sucumbir à doença, e o peso da responsabilidade que recaiu sobre mim após sua partida. Lutei para manter minha família unida, mesmo quando meu pai se afundava cada vez mais na escuridão do álcool e da depressão.

Essas lembranças turbulentas me assombravam até hoje, moldando minha visão de mundo e minha abordagem em relação aos relacionamentos pessoais. Sempre me vi como um lobo solitário, destinado a percorrer a vida sozinho, sem laços que pudessem me prender ou me enfraquecer.

Mas, às vezes, no silêncio da noite, quando as festas acabavam e eu estava sozinho em meu apartamento, uma sensação de vazio me consumia.
Era como se algo estivesse faltando em minha vida, algo que eu não conseguia identificar ou compreender completamente. Era uma sensação incômoda, que eu tentava ignorar com as distrações da vida noturna e os prazeres que ela oferecia.

Corrida Contra o Destino.  - Vincent Torrance. Onde histórias criam vida. Descubra agora