II

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Yumi acordou abruptamente ao som da tempestade caindo do lado de fora.

Seria uma situação completamente compreensível se não estivesse assustada por algo interno. Algo dentro da casa. Escaneou o quarto em meio a escuridão, lentamente levantando e abraçando os joelhos contra o corpo.

Sentiu a presença incômoda mas de certa forma reconfortante de Satoru Gojo dormindo no outro lado da cama. Ele dormia de barriga pra cima e braços presos firmemente ao lado de si mesmo. A respiração cuidadosamente compassada e baixa. Uma embrenhagem girou na mente de Yumi: Gojo não relaxava nem enquanto fechava os olhos.

Sem perder muito tempo saiu da cama. Conhecia essa mania melhor do que ninguém. Quando acordava assustada, não há nada no mundo que possa fazê-la voltar a dormir. Os terrores noturnos embrenham no cérebro, fazendo calafrios inesperados arrepiarem aqui e ali.

Atenta a qualquer ruído alto demais vindo de Satoru, Yumi fechou a porta do quarto e sentiu o ar frio percorrer suas costas. Suspirou, dando-se ao luxo de procurar pela fonte da pancada que atrapalhou seu sono.

Os corredores da mansão Gojo são largos e extensos. Cortinas cor de creme filtram a entrada da luz lunar, fazendo o cômodo parecer abandonado. Apesar do chão meticulosamente varrido e dos ornamentos caros. Tudo nessa casa grita desconforto, e Yumi detesta esse fato. Odeia sentir-se como a única que não sabe de nada.

-- Alô?-- fez uma espécie de concha usando as mãos para aumentar a potência da própria voz. A frase ecoou repetidas vezes até perder a força. Dado ao que sabia, Sato estava negociando os toques finais do contrato vinculado ao casamento e os criados dormiam num alojamento há alguns metros de distância da casa. E seu marido já estava no décimo quinto estágio do sono.

O título ainda lhe dava arrepios.

Ignorando propositalmente as sombras projetadas pelos quadros  na escadaria, Yumi continuou o trajeto ás cegas. Ocasionalmente esbarrava numa cômoda ou pisava em algo desconhecido mas estava tudo bem.

Inconscientemente seus pés a levaram para a entrada da biblioteca. Esteve lá poucas vezes, entretanto sentiu-se mais confortável espremida entre as inúmeras estantes de livros do que á mercê dos olhares inquisidores da "corte" quando a viram voltar com a barra do kimono suja. Torceu o nariz perante á lembrança. Desgraçados.

Respirou fundo antes de pousar a mão na maçaneta, não fazendo nenhum barulho enquanto deixava entrar uma fresta de luz.

-- Como a luz está acesa...?-- sussurrou pra si mesma, não tomando iniciativa para entrar.

Um pigarro vindo de dentro da biblioteca a fez congelar. Havia alguém ali dentro. E seja lá quem for, não é Satoru.

-- Fico feliz que tenha apreciado o vinho, Sr. Gojo.-- uma voz melódica e certamente feminina soou. Similar a uma gata manhosa.

-- Você sempre se supera, Mei Mei.-- Yumi mal pode conter o suspiro de alívio ao ouvir Sato falar.-- Este pertence á qual coleção...?

-- 1975. Produzido na Alemanha, mais especificamente Berlim. Sobraram apenas três garrafas intactas no mundo.

Pelo pouco que conseguia enxergar, viu o cabelo azul claro longo de Mei Mei se espalhar livremente pelas costas da poltrona carmesim.

-- Vejo que o curso de sommelier lhe fez bem.-- elogiou. Repentinamente, toda a diversão presente em sua face corada sumiu, dando lugar a ombros tenscionados e olhos percorrendo toda a biblioteca.-- Você ficou responsável pela segurança do casamento. Algum deles...?

Yumi mordeu o lábio inferior, apurando a audição para escutar a resposta velada vindo da mais velha. Desde o início, jamais simpatizara exatamente com aquela mulher. No entanto, qualquer informação é bem vinda.

Wonder || Satoru Gojo × oc femininaOnde histórias criam vida. Descubra agora