one- O peso do mundo

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A vida nunca foi fácil pra mim. Desde de pequena, aprendi que a felicidade é um luxo que poucos podem desfrutar. Acordar todas as manhãs em um lar marcado por brigas e silêncio desconfortáveis se tornou parte da minha rotina. Meu pai, viciado em bebidas, muitas vezes se perdia em seus próprios demônios, enquanto minha mãe lutava para manter a nossa família unida, carregando o peso das responsabilidades nas costas.

Eu sempre fui responsável pela minha irmãzinha. Mia, desde que ela nasceu assumi um papel que não era meu: ser a responsável dela. Enquanto outras garotas da minha idade sonhavam em festas e namoros, eu sonhava em conseguir um emprego para ajudar em casa e garantir que Mia tivesse uma infância mais leve do que a minha.

Conseguir um trabalho na cafeteria foi uma das decisões mais importantes da minha vida. Desde que percebi que precisava ajudar em casa, sabia que não poderia ficar parada. A cafeteria da esquina sempre teve um clima acolhedor, e eu adorava passar por ali, observando as pessoas e sonhando em fazer parte daquele mundo. Quando finalmente decidi me candidatar, meu coração estava acelerado. O nervosismo misturava-se com uma pitada de esperança.

Na entrevista com Dona Lúcia, a gerente, eu me senti à vontade. Ela tinha um sorriso caloroso e parecia ver algo em mim que eu mesma não conseguia enxergar. Falei sobre minha vontade de aprender, sobre como adorava café e como queria ajudar minha família. Quando ela me disse que eu estava contratada, quase não acreditei. Era como se um peso tivesse sido tirado das minhas costas.

Nos primeiros dias, tudo era novo e emocionante. Eu amava atender os clientes, preparar os cafés e aprender cada detalhe do funcionamento da cafeteria. O dinheiro que eu ganhava era pequeno, mas para mim representava liberdade e responsabilidade. Cada vez que recebia meu salário, sentia uma onda de orgulho; era o meu esforço se transformando em algo concreto.

Mas logo percebi que a alegria era efêmera. Meu pai começou a notar que eu trazia dinheiro para casa e, sem pensar duas vezes, começou a pegar o que eu ganhava. No início, eu tentava argumentar, mas ele só ria e dizia que precisava daquilo para se sentir melhor. A frustração crescia dentro de mim enquanto via meu esforço sendo desperdiçado em bebidas.

Cada vez que entregava meu salário a ele, sentia um pedaço do meu sonho se desmoronando. O trabalho na cafeteria deveria ser uma chance de construir algo para mim mesma, mas parecia que estava apenas alimentando o vício dele. Eu tentava manter a cabeça erguida e continuar trabalhando com dedicação, mas a dor da desilusão pesava no meu coração. Eu só queria ser valorizada pelo que fazia e ter um pouco de esperança em meio ao caos da nossa vida familiar.

Assim que saí da cafeteria, o cheiro do café fresco ainda dançava no ar ao meu redor, misturado com os risos dos clientes que deixei para trás. Era um alívio, mesmo que temporário, escapar das brigas em casa. Mas ao abrir a porta e entrar, a atmosfera pesada me recebeu como um soco no estômago.

Meu pai estava lá, bêbado e gritando com minha mãe. As palavras eram cortantes e pesadas, como lâminas afiadas.
—Você não entende nada! Sempre fazendo tudo do seu jeito!— ele bradou, sua voz ecoando pelo corredor.

—E você acha que beber é a solução?!—minha mãe respondeu, sua voz tremendo de raiva e desespero. —Você está destruindo nossa família!

— Destruindo? Você é a razão de tudo isso! Você nunca me apoia!— Ele deu um passo à frente, parecendo maior e mais ameaçador do que nunca.

Senti meu coração disparar. Eu hesitei por um momento, mas não podia ficar parada.

— o que você tá fazendo?— me aproximo e tomo a frente da minha mãe

—Fique fora disso, Kaira!—Ele respondeu com raiva, gesticulando descontroladamente. —Isso é entre nós!

—Pare com isso, Aldus!— minha mãe grita — você acha que beber vai resolver seus problemas? Isso só está destruindo a nossa família! Seu idiota!

— idiota? Olha com quem você fala!— ele encara minha mãe com ódio, então ele me empurra e segura minha mãe pelo pescoço— Eu ainda vou matar todas vocês! Tô cansado de tanta chatice!—
As lágrimas começaram a escorregar pelo meu rosto enquanto tentava processar a cena diante de mim.

— solta ela, toma— entrego meu salário a ele— por favor, pare!— ele olha o dinheiro e solta a minha mãe pegando o dinheiro e saindo batendo a porta com força, minha mãe com seus olhos cheios de lágrimas entra no quarto me deixando ali sozinha em um momento de desespero e frustração, decidi que não aguentava mais.

A necessidade de escapar me levou ao jardim da senhora Violent, um lugar que eu amava quando criança. Era o único refúgio onde eu podia deixar as brigas para trás e respirar um pouco de paz.

Quando cheguei lá, o sol começava a se pôr, pintando o céu com tons de laranja e roxo. Fui até uma árvore antiga e sentei-me no chão frio, deixando as lágrimas caírem livremente. O silêncio do jardim era um alívio, mas a dor ainda pulsava dentro de mim.

Então percebi uma sombra se aproximando. Um garoto desconhecido estava ali, com um olhar intenso e um cigarro na mão. Ele tinha uma aura rebelde que chamava minha atenção.

—Você está bem?— ele perguntou com uma voz suave.

—Não... Não estou— respondi entre soluços.

—Essas coisas acontecem,—ele disse enquanto dava uma tragada no cigarro antes de apagá-lo no chão. —Família é complicada.—

— Você conhece essa sensação?— perguntei curiosa.

Ele assentiu lentamente. — Minha família também não é perfeita— revelou ele com sinceridade nos olhos escuros.

Olho em seus olhos —É difícil lidar com isso— murmurei, tentando controlar minhas emoções.

— É difícil sim— ele concordou. —Mas você sabe o que aprendi? Às vezes precisamos encontrar uma forma de lidar com essa dor.

— Como assim?—perguntei intrigada.

Ele olhou para o céu por um momento antes de responder: —Quando as coisas ficam pesadas em casa, eu tento me distrair. Escuto música ou vou andar por aí. — Ele hesitou antes de continuar: — E às vezes eu apenas escrevo sobre isso.

—Escrever?— repeti, surpresa com sua resposta.

—Sim! Pode ser uma forma poderosa de tirar tudo pra fora— ele disse com um sorriso encorajador. —Talvez você possa tentar.

As palavras dele penetraram em meu coração como um bálsamo para minhas feridas abertas. —Obrigada por me ouvir— disse finalmente, sentindo-me um pouco mais leve.

— Não sou nada sem meus próprios problemas— ele respondeu com um sorriso tímido que contrastava com sua imagem rebelde. —Mas sempre estou aqui para ouvir.

O silêncio se instalou novamente entre nós enquanto olhávamos para as cores vibrantes do pôr do sol. O calor da conversa trouxe conforto; talvez eu não estivesse tão sozinha quanto pensava e ainda houvesse esperança para dias melhores.

—Não tem ninguém que possa te abrigar essa noite? As coisas na sua casa não estão boas pra você voltar— o garoto perguntou subitamente.

—Não— confessei. — Não tenho ninguém além da minha mãe e minha irmãzinha.

Ele balançou a cabeça em solidariedade. —— Ele respirou fundo—Se precisar desabafar ou apenas alguém para te ouvir quando as coisas ficarem difíceis... pode contar comigo.

—Porque eu desabafaria com você? Me desculpe, mas não nos conhecemos.

— Olha, eu sei que não somos íntimos, mas quem disse que um desabafo precisa de muita formalidade? Ás vezes, é na conversa com um estranho que a gente encontra as melhores saídas.

—Obrigada!— falo, ele dá um sorriso um lindo sorriso e se levanta

—De nada, Anjo. Nós vemos por aí. — Ele sorri novamente, antes de se afastar

Um calor se espalhou pelo meu peito ao ouvir suas palavras. Aquela conversa inesperada trouxe conforto a mim; talvez eu não estivesse tão sozinha quanto pensava.

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⏰ Última atualização: Oct 05 ⏰

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