Capítulo 7.2: Danos

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A estrela gasosa Stilium, deu mais uma volta em Assurance, e assim, amanheceu mais um dia. O terceiro dia que orbitavam aquele planeta. O último dia que a equipe possuía para atingir a quota e retornar à Corporação. Infelizmente, como Assurance ficava longe, teriam que usar o terceiro dia apenas para a viagem.

Na cabine, os primeiros sons a serem ouvidos, foram os cliks das luzes automáticas sendo ascendidas, e a reinicialização do computador.

Os três já estavam acordados a muito tempo, pois infelizmente a ansiedade tinha acabado com o sono. Ainda assim, permaneceram deitados, esperando que algo acontecesse. Porém, a noite passou tranquila, e naquela nave, nada entrou ou saiu.

Ao raiar do dia, chegaram a uma triste confirmação: 690 não tinha voltado. Ele não voltaria.

Alan, percebendo que nenhum dos outros dois se movia, levantou-se. Alguém tinha que começar aquele dia, mesmo que esse não fosse da forma esperada. Saiu do beliche e foi até o computador central.

- Vou no colocar em rota para a Corporação. Precisamos devolver a missão, e creio que conseguimos atingir a meta. - A notícia que era para ser feliz, em nada alegrou o time.

Ele já tinha visto acontecer, e pensava silenciosamente no que encontrariam ao chegarem na empresa. Sabia que a partir dali 689 e 672 viriam coisas que mudariam para sempre sua perspectiva sobre si mesmo. Aquilo o deixava com receio.

Não queria ter que repetir o passado. As lembranças antigas ainda o atormentavam.

Na-64, com alguns solavancos, começou a se mover. Ela fazia um desagradável barulho quando entrava no buraco de minhoca que cortava o espaço, mas naquele dia, nem mesmo o pior barulho poderia afetá-los. Mesmo que ela explodisse, não reparariam. Nada parecia importar. 689 olhou o beliche vazio acima dele, e ficou tenso, pensando se algum dia o veria de novo.

Mas como ele saberia que era 690? Tudo o que conhecia dele era seu número e nada mais. Caso mudasse de roupa ou número, não poderia mais encontrá-lo.

Passou pela sua cabeça a ideia de que talvez nunca mais vissem 690, talvez ele já tivesse sido descartado em uma enorme pilha de corpos de celes, que um dia ele viu sem querer em uma sala de incinerador. O pior de tudo seria seguir sem ele, pois a sua falta era tão grande quanto sua presença.

A nave pousou algumas horas depois, e foi só nesse momento que todos se levantaram. 672, que ainda estava ferido, era levado com o apoio dos colegas pois ainda sentia muita dor ao colocar a perna no chão. A morfina tinha acabado, e agora ele só resistia devido a esperança de ir ao centro médico da base.

Estavam prontos para sair, quando 421 interrompeu-os na porta.

Olhando-os gravemente, disse com a voz baixa:

- Ao entrarmos na Corporação, ajam da mesma forma que foram programados. Nada de nomes, nada de apelidos e palavras de brincadeira. Não sejam gentis. E o mais importante de tudo, não demonstrem estar abatidos pela perda de 690.

Mesmo que Alan não explicasse o porquê daquilo, os dois entendiam o conselho muito bem, e apenas assentiram com a cabeça. Nisso, em instantes, a porta se abriu, e eles sairam no hangar 1. Um oficial de transporte com a numeração 876 os esperava. Sua face era coberta por uma placa negra.

O planeta em que a Corporação ficava, tinha a gravidade mais baixa, e por isso 672 conseguiu se manter em pé sem ajuda. O céu ali, como sempre, era completamente cinza de uma cor escura e melancólica que nunca tinha mudança. Sempre parecia noite, ou um dia escuro de muita chuva. As grandes construções da Corporação se espalhavam aqui e ali como imponentes estacas afiadas perfurando o céu.

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