Capítulo 7.1: Danos

23 7 40
                                    

- 10!... 15!... Agora!

- 3, 2, 1! E afasta!

- De novo! De novo!

- Troca comigo! Eu faço a massagem, pega o desfibrilador!

Jogou-se sobre o corpo inerte, usando todo seu peso para pressionar o peito. As mãos se uniam, forçando o músculo pulsante a voltar a funcionar.

- 10! Prepara! - Gritou nervoso enquanto continuava com a massagem. - 15!

- Afasta 672! Afasta! Vou tentar mais voltagem!

Esfregou as duas partes do desfibrilador. Tinha raiva de si mesmo por não ter pedido à Corporação o modelo automático de reanimação, mas agora era tarde demais, e precisava apenas se concentrar no que fazia. Encostou o aparelho na pele e o corpo pulou no chão como peixe fora d'água. A pele na área parecia queimada pelo uso constante do aparelho.

Estavam naquela situação a 6 minutos, e ainda não tinham resultado.

Alan se afastou exausto colocando as mãos na cabeça. O aparelho foi jogado com força e raiva no chão. Bateu nele e quase se quebrou.

- A gente não pode parar! O que você tá fazendo?! - Mesmo com a perna em péssimo estado, 672 empurrou o outro, que sem vontade alguma se deixou abater. Não era hora de discutir, mas o desespero e o desamparo os fez indagar se realmente estavam prontos para tudo que podia acontecer em uma missão.

Não era para ser assim. Nunca tinham imaginado que seria assim.

Foi então que um surdo "bip" veio do corpo. O sistema reinicializa.

672 e Alan se viraram rapidamente indo até o colega estirado no chão, e sem a parte superior de seu traje. Se aproximaram olhando fixamente para seu peito desnudo e pálido, percebendo um leve movimento para cima, e depois para baixo.

Ele respirava.

Ainda não conseguiam dizer nada.

Minutos antes, Alan havia entrado na nave aos tropeços, trazendo itens amarrados ao seu corpo, e 689 em seu colo, inconsciente. Depois de perceberem que ele não estava só desacordado, como também tinha sofrido um ataque cardíaco, começaram, de forma caótica e desordenada, a fazer a ressuscitação.

Agora, vê-lo respirando, mesmo que de forma fraca, era a maior felicidade da galáxia.

672, sem conseguir conter-se, jogou-se em cima do outro, abraçando-o.

- Ugh... que isso? - A voz confusa veio, junto com movimentos dispersos.

Seu corpo lutava para despertar. Todos os seus membros formigavam.

- 689! Eu pensei que você tivesse se desligado para sempre! - Se afastou um pouco deixando o colega tomar ar.

- Me desligado? Como assim? - Ergueu-se sentando no chão lentamente.

Ainda tinha dor no peito.

- Onde estou?

- Tu chegou desacordado com o 421.

689 olhou o colega, que ainda estava sem falar nada, e este lhe deu um aceno com a cabeça. Depois percebeu o equipamento de ressuscitação perto do mesmo, só então a situação fez sentido.

- Obrigado... Alan.

- Alan? - 672 perguntou confuso.

- Sim, é o nome dele.

- E desde quando ele tem nome? Celes não tem nomes.

- Então, acontece que o 690 disse que achava legal a gente ter nomes, e daí o Alan, disse que já tinha e... - 689 parou de repente de falar. Olhou para os lados.

Algo faltava.

- Cadê o 690?

Nenhum dos dois respondeu, e o silêncio falou alto.

689 sentiu seus olhos doerem por alguns segundos, e depois, um líquido quente vazou deles. Após a conversa com 690, aquela sobre emoções, ele soube que o que sentia devia ser alguma emoção, mas não sabia seu nome, e por isso, só pode se deixar uma estranha dor no peito e um vazio tomar conta de si. Doía de verdade, mesmo que não houvesse ferimento ali.

Aquilo não podia ser verdade.

Seu amigo...

- O 690 vai voltar né? - 672 perguntou cortando o silêncio. - Igual quando ele caiu lá na base e no dia seguinte apareceu na cama dele. Naquele dia ele tinha morrido, digo, desligado por ter caído de uma grande altura, mas depois voltou... então dessa vez, ele vai voltar também, né?

O único que poderia saber algo daquela situação, 421, ou Alan, como se denominava agora, permaneceu calado. Talvez a resposta fosse tão difícil de se dizer, que ele não soubesse como colocá-la em palavras. Passou a língua nos lábios antes de começar.

- Não é tão fácil como parece... sabe, a Coorporação consegue refazer um celes rapidamente quando quer. Mas...

- Então qual é o problema?

Se aproximou de 689, que tentava inutilmente se erguer, e ajudando-o, colocou-o no beliche.

- O problema é que 690 já morreu uma vez nessa missão... nosso time ainda não deu retorno financeiro algum, e com isso, o que pode acontecer é ele ser eliminado da equipe, ao invés de ser refeito.

672 se arrastou para seu beliche e ficou em silêncio contemplando aquela verdade. Nenhum deles sabia ao certo o que dizer, se conheciam a poucos dias, mas ainda assim, sentiam uma estranha confiança quando estavam juntos. Era uma sensação de ser compreendido, e de que o tempo passava de forma mais rápida e prazerosa.

Não queriam deixar 690 para trás. E o pior de tudo era a ideia de que não tinham como contestar à empresa sobre o perigo da missão, pois nenhum deles tinha lido o contrato inteiro. Estavam cavando suas covas com seus próprios pés.

Alan, o único que já tinha alguma experiência com aquele tipo de situação, parecia mais calmo. Deixou a nave em órbita com assurance, apagou as luzes e se deitou.

- Poxa... justo agora que ele tinha um nome. - Reclamou 689 no escuro.

- Qual era o nome que ele tinha escolhido?

- Hmmm... Acho que era Dinossauro.

- Hahahahahah! Dinossauro! - Riu Alan, acompanhado de 672.

- Ele disse que queria algo grandioso...

- Só ele mesmo pra ter essas ideias.

De repente, ficaram calados. Os risos sumiram. O ar pesava mais, mesmo não tendo alteração alguma dentro da nave.

"Que merda isso... quero ir pra casa." A frase automaticamente veio à sua mente enquanto 689 rolava na cama. Aquilo não fazia sentido algum, pois celes não possuem algo como casa, apenas células vitais ou cabines. Mas mesmo assim, a frase surgiu. Como uma lembrança, algo a muito tempo esquecido.

Uma estranha imagem veio à sua mente, algo que nunca tinha visto antes. Uma construção humana antiga com teto em triângulo. Havia grama ao redor dela, e ele conseguia sentir a sensação de passar sua mão na mesma, sentindo um leve orvalho matinal.

Um pequeno animal o seguia latindo alegremente.

"Casa? Casa... talvez isso seja uma casa... mas como posso saber isso?"

689 sentiu-se pequeno, fechou os olhos esperando o sono vir.

"Eu vou pensar em um nome pra mim... e se 690 voltar amanhã, vou dizer pra ele."


A CorporaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora