Ela entrou na clareira um pouco antes do horário marcado. Dali, não conseguiria ouvir os sinos do templo marcando o horário, mas isso não foi um problema já que logo ele chegou. Sem a cesta dessa vez, Giselle não sabia ao certo o que fazer com as mãos. Mantê-las soltas ao lado do corpo parecia desleixo, pô-las na cintura era muito posado, por isso preferiu levantar levemente a saia enquanto caminhavam pela mata. Loys ofereceu o braço a ela, como se fosse uma lady. A jovem mal conseguia conter o sorriso.
– E como tem ido os negócios? – Perguntou, interessada – Mais alguma venda interessante para a rainha?
– Não, mas os pavões foram entregues ontem. Viverão felizes e empanturrados pelo resto da vida nos jardins reais.
– Gostaria de poder vê-los. – respondeu ela – Se forem mesmo como descreveu, eu ficaria deslumbrada.
– Eu nunca mentiria para você, querida. – Ele sorriu, mostrando uma fresta daqueles dentes perfeitos.
Ela corou, voltando a olhar para frente.
– Tem algum lugar onde gostaria de ir? – Perguntou, sem olhá-lo.
– Na verdade não, apenas quero conhecer essa floresta que lhe é tão cara.
Apesar de dizê-lo, Loys usava a mão livre para espantar mosquitos que começavam a surgir com o retorno da época quente.
– Bom, além do lago há um rio onde pode-se ouvir os sapos e os grilos cantando ao pôr do sol. Eu gostava de ir até lá quando criança, foi onde aprendi a nadar.
– Parece um lugar sublime.
Seu tom não demonstrava tanto interesse assim. Ele olhava para cima, buscando a origem de um som que lhe era muito estranho. Caminhava um pouco mais devagar sem prestar atenção ao que mais ela dizia. Se arrepiou ao ouvir novamente o grito rasgando seus ouvidos. Era agudo e metálico. Dessa vez conseguiu identificar de onde vinha. Virou a cabeça para lá, encontrando um par de olhos negros em um pássaro marrom do tamanho de um abacate. Ele o encarava de tal forma que parecia enxergar todas as coisas ruins que já havia feito. E as que ainda planejava fazer.
Arrepiado, o jovem não conseguia desviar o olhar. A mão enrijecida, segurou Giselle, obrigando que parasse.
– Você está vendo o que eu estou vendo? – sussurrou.
Ela olhou para a mesma direção e demorou dois ou três segundos para encontrar o pássaro pousado em um galho da árvore.
– O Olhos da noite? Realmente está meio cedo para ele aparecer.
Loys lentamente virou-se para ela.
– Você conhece esse pássaro?
– Sim, são comuns aqui na região. Ganharam esse nome porque dizem que é através deles que Selenia vigia os humanos. – contou.
– É assustador.O pássaro cantou novamente, levantando a cabeça. Olhou para ela e depois para ele novamente.
– Talvez a deusa queira te transmitir algum aviso. – considerou Giselle.
– Seja lá o que for, não parece bom.Assim, ele segurou a mão da camponesa e saiu caminhando sem saber para onde estava indo, só queria se distanciar o mais rápido possível daquela criatura estranha. Ela o acompanhou, segurando um risinho. Não precisava demonstrar o quanto achava bobo seu medo. Deixou se guiar por ele pelos minutos de caminhada, vendo sua postura relaxar conforme se distanciavam da ave. Passaram por alguns arbustos floridos onde a grama parecia intocada. Decidiram parar para descansar.
Sentada ao lado dele, Giselle observava as borboletas se alimentarem do néctar. Eram amarelas de asas finas e delicadas como as próprias pétalas onde pousavam.
– Não é à toa que elas parecem flores. – murmurou, com um sorriso pequeno.
– Como? – perguntou Loys, que observava apenas a ela.
– As borboletas. Dizem que, nos primórdios, eram flores que sonhavam em voar até que um dia se juntaram para barganhar com os deuses.
Ela estendeu a mão e as patinhas delicadas tocaram seus dedos.
– Eram de todas as cores, amarelas, azuis e até cor de rosas, insatisfeitas com sua condição estática. Disseram que queriam ser livres como os pássaros, que não era justo que só os animais pudessem se mover e elas dependessem do vento. Aliz, o grande deus dos ventos justificou dizendo que sua estrutura era muito frágil para que enfrentassem as correntes de ar sozinhas, mas elas não queriam ouvir.
"Os deuses se reuniram e decidiram atender seu pedido, desde que estivessem dispostas e aceitar o custo."
A borboleta voou, se afastando da jovem, como se não quisesse ser lembrada da sina que carregava. Ela enfim olhou para Loys, que mal piscava ao seu lado. Ele tinha o queixo apoiado na mão.
– E qual era o custo?
– Suas vidas, apesar de belas, seriam breves e o néctar apesar de delicioso não seria o suficiente para mantê-las, precisariam de algo com mais sustança. Algumas se alimentam de lama, outras de suor e lágrimas de animais, mas as mais desesperadas – Ela fez uma pausa, criando suspense. Já tinha contado essa história para crianças várias vezes. – se alimentam de cadáveres.
Ele recuou horrorizado.
– Isso é nojento! – Disse, colocando a língua para fora. – Me lembre de nunca mais beijar sua mão novamente!
Giselle riu, levando as mãos até a boca.
– Não acha que valeu a pena?
– Eu, no lugar delas, preferia ser uma flor pisoteada!
Ela apoiou as mãos na grama, inclinando o corpo para trás. O sol refletindo como uma coroa em seus cabelos ruivos.
– Ah, não sei. Tem poucas coisas que eu não faria se tivesse a oportunidade de ser livre. – Murmurou. Se Loys ouviu, preferiu ficar calado.
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Giselle
RomanceVocês já conhecem o fim dessa história, mas há por menores mais complexos do que parece ao se falar de uma garota apaixonada por um homem que não merecia seu amor. Giselle era uma camponesa que sonhava em ver o mundo além da sua cidade e fazer parte...