Capítulo 8

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Ela entrou na clareira um pouco antes do horário marcado. Dali, não conseguiria ouvir os sinos do templo marcando o horário, mas isso não foi um problema já que logo ele chegou. Sem a cesta dessa vez, Giselle não sabia ao certo o que fazer com as mãos. Mantê-las soltas ao lado do corpo parecia desleixo, pô-las na cintura era muito posado, por isso preferiu levantar levemente a saia enquanto caminhavam pela mata. Loys ofereceu o braço a ela, como se fosse uma lady. A jovem mal conseguia conter o sorriso.
– E como tem ido os negócios? – Perguntou, interessada – Mais alguma venda interessante para a rainha?
– Não, mas os pavões foram entregues ontem. Viverão felizes e empanturrados pelo resto da vida nos jardins reais.
– Gostaria de poder vê-los. – respondeu ela – Se forem mesmo como descreveu, eu ficaria deslumbrada.
– Eu nunca mentiria para você, querida. – Ele sorriu, mostrando uma fresta daqueles dentes perfeitos.
Ela corou, voltando a olhar para frente.
– Tem algum lugar onde gostaria de ir? – Perguntou, sem olhá-lo.
– Na verdade não, apenas quero conhecer essa floresta que lhe é tão cara.
Apesar de dizê-lo, Loys usava a mão livre para espantar mosquitos que começavam a surgir com o retorno da época quente.
– Bom, além do lago há um rio onde pode-se ouvir os sapos e os grilos cantando ao pôr do sol. Eu gostava de ir até lá quando criança, foi onde aprendi a nadar.
– Parece um lugar sublime.
Seu tom não demonstrava tanto interesse assim. Ele olhava para cima, buscando a origem de um som que lhe era muito estranho. Caminhava um pouco mais devagar sem prestar atenção ao que mais ela dizia. Se arrepiou ao ouvir novamente o grito rasgando seus ouvidos. Era agudo e metálico. Dessa vez conseguiu identificar de onde vinha. Virou a cabeça para lá, encontrando um par de olhos negros em um pássaro marrom do tamanho de um abacate. Ele o encarava de tal forma que parecia enxergar todas as coisas ruins que já havia feito. E as que ainda planejava fazer.
Arrepiado, o jovem não conseguia desviar o olhar. A mão enrijecida, segurou Giselle, obrigando que parasse.
– Você está vendo o que eu estou vendo? – sussurrou.
Ela olhou para a mesma direção e demorou dois ou três segundos para encontrar o pássaro pousado em um galho da árvore.
– O Olhos da noite? Realmente está meio cedo para ele aparecer.
Loys lentamente virou-se para ela.
– Você conhece esse pássaro?
– Sim, são comuns aqui na região. Ganharam esse nome porque dizem que é através deles que Selenia vigia os humanos. – contou.
– É assustador.

O pássaro cantou novamente, levantando a cabeça. Olhou para ela e depois para ele novamente.
– Talvez a deusa queira te transmitir algum aviso. – considerou Giselle.
– Seja lá o que for, não parece bom.

Assim, ele segurou a mão da camponesa e saiu caminhando sem saber para onde estava indo, só queria se distanciar o mais rápido possível daquela criatura estranha. Ela o acompanhou, segurando um risinho. Não precisava demonstrar o quanto achava bobo seu medo. Deixou se guiar por ele pelos minutos de caminhada, vendo sua postura relaxar conforme se distanciavam da ave. Passaram por alguns arbustos floridos onde a grama parecia intocada. Decidiram parar para descansar.
Sentada ao lado dele, Giselle observava as borboletas se alimentarem do néctar. Eram amarelas de asas finas e delicadas como as próprias pétalas onde pousavam.
– Não é à toa que elas parecem flores. – murmurou, com um sorriso pequeno.
– Como? – perguntou Loys, que observava apenas a ela.
– As borboletas. Dizem que, nos primórdios, eram flores que sonhavam em voar até que um dia se juntaram para barganhar com os deuses.
Ela estendeu a mão e as patinhas delicadas tocaram seus dedos.
– Eram de todas as cores, amarelas, azuis e até cor de rosas, insatisfeitas com sua condição estática. Disseram que queriam ser livres como os pássaros, que não era justo que só os animais pudessem se mover e elas dependessem do vento. Aliz, o grande deus dos ventos justificou dizendo que sua estrutura era muito frágil para que enfrentassem as correntes de ar sozinhas, mas elas não queriam ouvir.
"Os deuses se reuniram e decidiram atender seu pedido, desde que estivessem dispostas e aceitar o custo."
A borboleta voou, se afastando da jovem, como se não quisesse ser lembrada da sina que carregava. Ela enfim olhou para Loys, que mal piscava ao seu lado. Ele tinha o queixo apoiado na mão.
– E qual era o custo?
– Suas vidas, apesar de belas, seriam breves e o néctar apesar de delicioso não seria o suficiente para mantê-las, precisariam de algo com mais sustança. Algumas se alimentam de lama, outras de suor e lágrimas de animais, mas as mais desesperadas – Ela fez uma pausa, criando suspense. Já tinha contado essa história para crianças várias vezes. – se alimentam de cadáveres.
Ele recuou horrorizado.
– Isso é nojento! – Disse, colocando a língua para fora. – Me lembre de nunca mais beijar sua mão novamente!
Giselle riu, levando as mãos até a boca.
– Não acha que valeu a pena?
– Eu, no lugar delas, preferia ser uma flor pisoteada!
Ela apoiou as mãos na grama, inclinando o corpo para trás. O sol refletindo como uma coroa em seus cabelos ruivos.
– Ah, não sei. Tem poucas coisas que eu não faria se tivesse a oportunidade de ser livre. – Murmurou. Se Loys ouviu, preferiu ficar calado.

GiselleOnde histórias criam vida. Descubra agora