Giselle

Capítulo 11

Mais uma vez o céu se pintava de rosa e laranja no fim da tarde. Giselle carregava uma cesta pela estrada até o portão sul, tentando manter a firmeza em sua própria decisão. Seu coração acelerava no peito mesmo que a caminhada fosse tranquila. Sua barriga estava gelada, apontando que algo estava errado.
Ninguém além da jovem transitava por ali. "Ele pensou em tudo mesmo" disse a si mesma, assim que soube. Não teriam problemas em realizar sua fuga, já que algo muito mais interessante acontecia na praça central.

Na manhã anterior, a cidade fora tomada por funcionários reais trazendo faixas decorativas, tochas e mesas enormes. Em frente ao templo das deusas, foi montado um palanque onde seriam colocados os tronos do Rei e da Rainha para a cerimônia de apresentação da futura princesa de seu reino. Vossa alteza, o príncipe Elysian, finalmente se casaria, decepcionando várias nobres e camponesas que sonhavam em tirar-lhe uma casquinha.
Suas garrafas de leite, peças de queijo e manteiga foram disputadas para atender à demanda de uma grande festa assim tão repentina. Os cidadãos buscavam receber seus governantes com toda a pompa que podiam oferecer, preparando um banquete que julgavam ser digno de Reis.

Ela dobrou as mangas da blusa para que se mantivessem no lugar. Estava nervosa, buscando algo além dos mesmos pensamentos que ocuparam sua cabeça nos últimos dias para se distrair. "Você escolheu isso" lembrou a si mesma. O que era para ser um consolo, começava a soar como uma maldição.
Seguiu a curva da estrada, finalmente chegando ao portão onde se encontraria com Loys para o primeiro dia do resto da sua vida. Ele ainda não estava lá. Giselle se inclinou, olhando para o lado de fora através das barras. Nada além de árvores e o som de uma coruja que acabara de despertar. Ela se recolheu até que os arbustos cobrisse a maior parte dela, não queria ser vista caso alguém passasse pela estrada.

Sentou-se na grama, deixando a cesta pesada à sua frente. Tinha juntado algumas raízes, cogumelos e frutas que coletou na floresta. Com pesar, também tirou da dispensa pedaços de pão e queijo para que não ficassem com fome nos primeiros dias da viagem. No fundo da cesta estava uma muda de roupas mais quente para as próximas estações e algumas moedas a mais que tinha faturado naquela manhã.
Revisando os itens, se deparou mais uma vez com a verdade. Era a última vez que via aquela estrada, aquela vegetação e qualquer outra coisa naquela cidade. Não ia mais voltar. Nunca mais seria surpreendida por Ardan na floresta, nem abraçada pela mãe em um raro momento de carinho. Lágrimas se formaram em seus olhos em adeus silencioso ao seu pequeno mundo que estava prestes a se tornar cada vez maior.
– Você escolheu isso. – repetiu em voz alta dessa vez, limpando as lágrimas das bochechas.

Tinha a sensação de que era a primeira vez na vida que escolhia algo pensando apenas em si. Quando estivesse longe, poderia abrir mão de ser a boa filha,mas temia que o peso desse papel nunca a deixasse de fato. Estava fazendo isso por si mesma, para seu próprio bem. Talvez por esse motivo fosse tão assustador.
A partir daquele momento, Giselle, que não tinha nem escolhido o próprio nome, decidiu que seria protagonista de sua própria história. Só dependia dela viver um conto de rebeldia e aventuras como os que tanto gostava de ouvir quando criança. Se tornaria a bruxa fazendo flores nascerem a cada passo da caminhada com seu consorte ou a vassala que se negaria a lutar pelo senhor em uma guerra sem sentido.
O que ela esqueceu de considerar é que isso significaria ser a vilã na história de alguém.

Minutos se tornaram horas e cada vez mais estrelas despontavam no breu. Uma noite sem nuvens e a lua passava aos poucos do quarto crescente. Como achou que eles já estariam juntos quando fosse noite, não tinha se preocupado em pegar um lampião. Na cesta, havia apenas uma vela para afastar os perigos da escuridão. Os sons vindo de fora do muro eram cada vez mais estranhos. Entre passos, asas, rosnados e murmúrios, ela estava completamente arrepiada. Seus ouvidos se atentavam sempre que ouvia algo que parecia uma bota contra a grama, mas seu salvador não aparecia para resgatá-la.