Os presentes deixados um para o outro começaram a ser mais frequentes. Entre ovos, leite, queijos e carne de caça, começaram a surgir flores amarradas em cuidadosos laços de fita. Certo dia, ela sentiu o coração pular uma batida quando, ao sair com as entregas do dia, encontrou a cerca em frente a casa repleta de flores laranjas amarradas à madeira por trepadeiras. "Não consigo vê-las sem lembrar de você" dizia um bilhete preso ao portão. A jovem pegou o pedaço de pergaminho com um sorriso pequeno. As bochechas ficando coradas mesmo que ninguém pudesse vê-la. Deslizou os dedos pelo desenho das letras cautelosamente, precisava dar uma resposta. Mas, o que dizer após um gesto tão doce? Tinha até o final do dia para decidir.
Esse recomeço a deixava ao mesmo tempo animada e receosa, algumas borboletas já começavam a fazer seu estômago de casa. Giselle empurrava o carrinho para a cidade ao passo que deixava-se sonhar. Enquanto cresciam, ela e Ardan eram tão próximos quanto duas crianças podem ser. Eles corriam pela beira da mata que ele dominaria em alguns anos e se escondiam um na casa do outro para não ir embora. Os anos passaram e o lugar cheio de perigos e encantos onde queriam se aventurar se tornou um refúgio para adolescentes tementes do futuro.
– Hoje é sua vez. – Disse o jovem Ardan
Ele se referia a um acordo que fizeram quando ainda eram crianças. Contariam um para o outro todas as coisas ruins que passassem por suas mentes, aquele era um espaço sem julgamentos. Da última vez, Ardan confessara que às vezes odiava a irmã quase tanto quanto a amava. Giselle não tinha irmãos para comparar, mas acreditava que, apesar de horrível, devia ser um sentimento mais comum do que imaginavam.
Nessa ocasião, estavam deitados na grama, observando o movimento das nuvens entre as copas das árvores. As cabeças estavam uma ao lado da outra enquanto os corpos seguiam direções opostas. Ela sabia o que precisava dizer, mas as palavras giravam antes de encontrar o caminho até seus lábio
– Queria poder ir embora. – verbalizou, após alguns segundos.
Era a primeira vez que dizia isso em voz alta. Tinha esperado o momento em que teriam ouvidos para ouvi-la e não olhos para julgá-la.
– Eu sei – Ele disse, entendendo exatamente o que ele queria dizer.
Ela virou o rosto para ele. Tinha imaginado várias possíveis respostas que receberia ao confessar um de seus maiores segredos, mas essa não era uma delas.
– Sabe?
Ele se virou para ela também e acenou com a cabeça, estavam a poucos centímetros um do outro. Os olhos se encontraram, atestando a conexão entre os dois. Será que estava óbvio para outras pessoas também ou apenas para seu melhor amigo?
– Você deveria ir, merece conhecer o mundo além dos muros.
– E você não sentiria minha falta? – sorriu, tentando desviar o foco.
– As árvores guardam memórias. – Disse ele, em voz baixa – Vão sussurrar ao vento todas as nossas conversas para que eu sinta sua companhia.
– Inclusive essa? – Ela olhou em volta, com um sorriso surgindo nos lábios.
– Inclusive essa. – confirmou.
Segundos passaram em silêncio, uma nuvem branca e achatada cruzou todo o espaço entre duas copas.
– Se não precisasse cuidar da mamãe, eu iria. – disse Giselle.
Ela fechou os olhos e se deixou ir. Sobre o tapete de grama, era como se seu corpo não existisse mais. Não sentia o cheiro da mata, não ouvia as folhas balançando, nem sentia quando caiam sobre sua pele. Só existia a própria consciência e os desejos conflitantes. Como poderia abandonar a mulher que se esforçou tanto para cuidar dela em prol de uma aventura em busca do desconhecido que poderia nem ser tão bom quanto estava imaginando? Não era mais uma criança e, definitivamente, não vivia um conto de fadas. A culpa pelo desejo a prendia mais uma vez em seus tentáculos, puxando de volta para o corpo, impedindo que voasse.
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Giselle
RomanceVocês já conhecem o fim dessa história, mas há por menores mais complexos do que parece ao se falar de uma garota apaixonada por um homem que não merecia seu amor. Giselle era uma camponesa que sonhava em ver o mundo além da sua cidade e fazer parte...