Introdução - A Clínica

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     Estátuas, cofres, paredes pintadas. Não saía da minha mente aqueles objetos, lembranças de uma realidade não mais existente, algo alternativo que se desfez após o meu colapso mental. Aquele quarto, aquela cama, aqueles livros, aqueles desenhos, aqueles poemas que arquitetei, as músicas que me impediam de cair em uma completa crise de ansiedade durante o silêncio da madrugada. Eu era acalmada por injeções depois de choros que perduravam por horas, rasgava aquelas folhas de papéis, batia com força minha cabeça contra o espelho do banheiro, para que no fim, pudesse mutilar a mim mesma com os estilhaços. Meu fim parecia nunca chegar, pelo contrário, eu estava melhorando, cada vez mais próxima da paz e longe dos traumas que me privaram da sanidade e me tornaste em uma aberração.

     Eu já não era a mesma de anos atrás, mas eu estava bem naquela altura, tudo tinha melhorado muito, eu passei a ver tudo com maior clareza. Não mais as falsas memórias cujo foram fruto do meu sofrimento primário e de minha internação naquela clínica, eu voltaria, enfim, a me sentir eu. Logo, estaria em casa na companhia de meu marido Jhonatan, minha filha Jude e minha mãe Carla; todos estariam sorrindo firmes para mim, felizes com meu retorno à casa.

     Todavia, nada seria tão fácil, a burocracia tomou conta do mundo de tal forma que não poderia uma mulher, já em suas plenas faculdades mentais, retornar à sua família após 5 anos de recuperação. Você deve estar se perguntando, "o que fez essa maluca para estar em tal situação?" - Eu estava bem, me sentia bem, mas não entendia, não sabia o porquê de não me deixarem retornar, acredito que a incógnita deste problema, só será respondia ao final dessa história que venho a contar.

     Mesmo já apta a retornar às minhas atividades como cidadã, eu ainda precisava passar pelo exame final, exame do qual eu já teria feito por 4 vezes, porém, jamais os resultados teriam sido aprovados pelos psicólogos que conversavam comigo. Não sabia o que fazer para que os pudesse satisfazer, tudo que eu sabia é que agora seria examinada não mais por algum dos profissionais que trabalhavam naquela clínica, não mais aqueles com quem teria feito amizade e convivido nos últimos anos. Ela não era sequer brasileira, viria da Argentina somente para me conhecer, me examinar, falar comigo. De início tremi com o fato de ser atendida por uma estranha, mas, conseguiram me acalmar e convencer de que era alguém confiável.

     Me arrumei de forma casual na manhã do exame, o que me intrigava mais do que não ser aprovada naquele exame, era a necessidade de usar sempre aquele uniforme inteiramente azul marinho de paciente. A opressão que sofria vinha de forma discreta, disfarçada por gentilezas e favores dos quais eu nunca fiz questão de pedir.

     Me dirigi até a sala do exame, a enfermeira me acompanhava com os braços entrelaçados nos meus, me guiando como um cão-guia faz com um cego. Quando entrei, a doutora estava olhando a paisagem do jardim pela janela, era um dia chuvoso, eu estava preocupada com algumas rosas que eu havia plantado no jardim, com medo que a chuva muito forte pudesse estragar seu crescimento ou leva-las ao chão com sua força destruidora.

      - Gostou das rosas? – perguntei à doutora.

     - São adoráveis! – respondeu ela após um pequeno susto, pois, não havia percebido minha entrada na sala, em conjunto com a enfermeira.

     A enfermeira então me apresentou a doutora Catarina, com quem iria permanecer naquela sala por algumas horas de conversa. Havia uma poltrona no meio da sala, na qual ela se sentou, posteriormente, me pediu para me sentar em outra poltrona que ficava de frente para a dela, forçando-nos a olharmos fixamente uma à outra.

     Após algumas apresentações e a enfermeira deixa-nos a sós na sala, Catarina e eu passámos a iniciar nossa conversa de forma mais séria.

     - Então Fernanda, me fale sobre você. – disse ela.

     - Como? – nunca outro doutor haveria me dito aquilo, então estranhei.

      - Não se assuste, sei que ninguém lhe perguntou isso antes, mas acredito que só há uma solução para esse problema que eles dizem que você tem.

      - Como assim, "eles dizem"?

     - Não encontrei nada de errado em seus laudos.

    - Então por que está aqui?

    - Porque o problema não está em você, está neles!

    - Temo ser incapaz de compreender suas palavras, doutora.

     - Esses psicólogos daqui não confiam em seus próprios trabalhos, conhecimentos e convicções, tampouco confiam se realmente fizeram uma análise correta a seu respeito.

      Eu estava reclusa no começo, mas aos poucos, com todas aquelas palavras que a doutora Catarina dirigia a mim, a confiança que passava como mulher, fez-me acreditar que eu poderia falar sem temor a respeito de qualquer curiosidade que ela veria ter ao meu respeito.

     - Então, sobre o que você quer que eu fale especificamente? – perguntei.

    - Por que não falar sobre sua família? – respondeu ela. – Você disse que tinha uma filha?

    - Sim, o nome dela é Jude!

   - Qual foi a última vez que viu ela?

   - Bom... pouco antes de ficar doente, dias depois da morte de meu pai.

   - Então, comece!

Pais e FilhosOnde histórias criam vida. Descubra agora