16 anos antes
Durante as frações de segundos que estive envolvida nos braços daquele homem pouco familiar, pude enxergar pequenos e grandes acontecimentos de meu passado, passando como um filme diante dos meus olhos fechados. Foi como uma transição instantânea da angústia e temor daquele momento, para momentos que já nem sabia que me lembrava mais.
Eu era muito jovem quando Jude nasceu, tinha apenas 22 anos, estava no penúltimo ano da minha faculdade de direito, a gravidez me fez parar o curso temporariamente, enquanto Jhonatan, meu até então marido, tinha 25 anos e era um simples enfermeiro no mesmo hospital que Jude nasceu. Jhonatan assumiu toda a responsabilidade depois que fiquei gravida, alugou uma casa próximo a mesma residência de meus pais para que não ficássemos longe de nenhum familiar, disse para que eu não me preocupasse, pois, arcaria com os custos de meu retorno aos estudos após Jude nascer e, também, pediu minha mão em casamento na frente de meu pai quando eu estava com seis meses de gestação.
Mesmo assim, nada foi fácil, a vida que surgia e crescia em meu ventre fazia-me sofrer, dores de chutes, contrações durante a noite, e nunca me senti confortável com o peso que abrangia minha barriga. Durante certo período, não estava feliz com aquela situação, não achei certo como todos pareciam parar para me ajudar, presenciava todos aqueles sorrisos no chá revelação com expressões neutras, pensando em como não era capaz de sentir qualquer euforia, Jhonatan sacrificou muitas coisas para se dedicar a mim, todavia, não via justiça naquilo. Foi nesses pensamentos que decidi abortar, interromper o crescimento daquele bebê.
- Minha filha, você não pode fazer isso com a bebê, ela sequer tem esse direito de escolha. – reagiria assim minha mãe.
- É nossa filha de que estamos falando, não é só sua, você não tem esse direito! – dizia Jhonatan.
Meu pai não me apoiava de certa forma, porém, foi o único que não permitiu com que as pessoas apontassem os dedos na minha cara, ajudou para que não me julgassem.
- Minha filha, o corpo é teu, no final de tudo, é só você que sabe das consequências que este nascimento poderá lhe causar. – dizia meu pai acariciando minha testa enquanto eu me chorava deitada no sofá. – Mas por outro lado, pense em todas as bilhões de mulheres existentes neste mundo, dentre todas elas, somente você foi a escolhida, a abençoada a ter contigo essa criança, não há dúvidas da maneira em que ela te escolheu, deixe-a viver e jamais se arrependerá.
Foi o que escolhi, Jude nasceu, uma garota linda, a pele parda fruto da miscigenação de minha pele negra e a pouco mais clara de Jhonatan, seus cabelos cacheados como os meus, porém os olhos castanhos claros de seu pai, era a perfeição em escala mínima envolvida em meus braços.
Claro que seus primeiros meses de vida não foram fáceis, eu passei por um curto período de depressão pós-parto, não conseguia vê-la em minha frente sem sentir raiva de mim mesma, nesse tempo, ela ficou sob os cuidados de minha mãe. Logo depois, voltou aos meus braços, o que não mudou muito os sentimentos negativos que sentia, tinha dificuldade com as trocas de fraudas, odiava acordar no meio da noite para atender aos seus choros, meu desespero era enorme.
Jhonatan tinha que fazer plantões para arcar com as despesas, por isso, quase que não passava seu tempo em casa e pouco se dedicava a nós, sua família. Eu não podia nem ligar para ele, alguém sempre dizia que ele estava ocupado, com algum paciente ou com alguma emergência.
Certa madruga, quando Jude já tinha seus 7 meses de vida, finalmente pude dispor de um tempo para descansar, Jude começou a chorar. Eu me dirigi à cabeceira de seu berço e a olhei atentamente, ela simplesmente não parava, nem com o balançar leve do berço e nem com o meu doce canto. Eu estava no ápice de minha raiva naquela altura, peguei-a no colo, fui até a janela do apartamento, e estiquei os meus dois braços que seguravam Jude para o lado de fora do edifício. Curiosamente, no exato momento em que se passou pela minha cabeça a possibilidade de soltar e deixa-la cair, ela parou de chorar, não só parou, como lançou um sorriso ao me ver mesmo com pouca luminosidade, eu imediatamente puxei-a de volta para mim e a abracei com todas as forças que o infinito poderia me proporcionar.
- Me desculpe, meu anjo! – disse abraçando-a enquanto mil lágrimas escoavam pelo meu rosto.
Então a magia da maternidade se iniciou nos próximos anos, Jude aprendeu a andar, não só a andar, como também a correr, corria por todos os cômodos carregando seus brinquedos e rindo como se pudesse se comunicar com eles. Ouvir sua voz pela primeira vez foi a maior de minhas alegrias:
- Mama, colo – disse Jude pela primeira vez querendo que eu a levantasse.
Assistíamos desenhos animados na TV, embora eu tenha tentado influenciar ela a assistir Barbie e algumas princesas da Disney, ela pegou um aprecio maior pelos seriados de Pica-Pau e da Liga da Justiça. Colocava músicas para provocar suas danças desajeitadas de criança, meu gosto musical era o mesmo que eu teria aprendido com meu pai, algumas bandas de rock e MPB; mais próximo de minha juventude claro, também colocava para tocar Legião Urbana. No final, ela acabou se aproximando muito mais de Jhonatan quando começaram a ver futebol juntos, meu marido era fanático pelo Corinthians e não demorou muito para que fizesse dela uma torcedora também, levando-a até mesmo para assistir jogos no estádio.
Quando Jhonatan virou médico em uma rede particular, os papéis se inverteram e, dessa vez, eu era quem passava pouco tempo em casa, já que teria que voltar aos estudos, mesmo assim, nos mudamos para o apartamento que ficava ao lado do meus pais, já que tínhamos uma maior condição de manter agora. Assim, quando ambos estavam indisponíveis, nós não precisávamos nos preocupar com quem Jude ficaria, minha mãe sempre estava disponível para prestar os cuidados à sua adorável neta.
Enfim, aos poucos tudo foi se ajeitando, eu diria que, de certa forma, foi uma era de ouro, da qual parecia que seria eterna. Meu marido agora estava sempre conosco, eu estava prestes a ingressar na minha profissão e, tínhamos ambos à Jude e ela também nos tinha, cresceu e se tornou uma bela menina.
Não posso ser ingrata e reclamar do quão pouco tudo durou, os problemas logo bateriam na porta, e cá estaria eu, em conflito com Jhonatan e com Jude. Maldita seja nossa felicidade por ser tão curta a ponto de não aproveitarmos suficientemente o tempo que passou.
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Pais e Filhos
RomanceOs problemas sempre estiveram presentes na conturbada vida de Fernanda. Entretanto, um acontecimento específico afetou sua memória e sanidade mental, tendo de que ao lado de uma profissional, contar a história de sua trajetória ao lado de sua jovem...