Querida S.;
Não paro de pensar na nossa última conversa esta tarde, sobre a facilidade, praticidade e profundidade de escrever para descrever sentimentos e o que não nos sentimos capazes de dizer de outra forma. Me sinto assim a maior parte do tempo. Talvez desde sempre. Talvez por isso tenha me apaixonado pela escrita ainda na infância e hoje é o que mais amo fazer, não apenas na criação de histórias, mas, em muitos momentos, para entender aquela parte mais profunda em meu íntimo que não noto a existência ou o valor antes de expor em um papel (ou arquivo word).
Pode ser muita pretensão da minha parte por me sentir importante dessa forma, mas constantemente sinto que a vida me cutuca para acordar quando me acomodo ou desisto de algo importante. Às vezes esse cutucão se transforma em um chacoalhar. É o que eu sinto que foram as palavras direcionadas a mim em seu cartão de natal. Eu amei o presente, saber que foi escolhido por ter lembrado do meu gosto pessoal – imagine, fui especial o bastante para te fazer lembrar até do meu gênero favorito! – mas o cartão foi mais íntimo, realmente me marcou.
Nessa realidade em que vivemos é tão fácil esquecer que ainda existem pessoas boas que não querem nada em troca, que apenas são boas e querem o bem. Eu não esperava amar o meu trabalho como amei desde que me introduzi nessa área, mas me descobri completamente apaixonada pelo que faço. Posso dizer que aprendi muito com cada residente, e seus familiares também. Dentre as mais importantes que posso lhe dizer é sobre um belo mandamento: Faça o bem sem olhar a quem. Quando um residente chega às minhas mãos, já tão vivido e cheio de histórias boas e ruins, enfrentando seus carmas ou darmas, não cabe a mim dosar qualquer culpa ou julgar qualquer ato relatado. Meu papel é o acolhimento. Não me importo com qualquer possível passado duvidoso ou com o rancor que qualquer familiar possa transpassar. O meu objetivo é que eles se sintam cuidados e amados em seu estágio mais vulnerável e final. Deus me perdoe se eu não for capaz de demonstrar um pouco que seja de afeto a cada um deles para que não se sintam só, mesmo àqueles que velejam na insciência de suas mentes danificadas e irrecuperáveis. Isso se estende aos familiares também de certa forma, que muitas vezes sequer notam o quanto precisam tanto quanto eles desse acolhimento para entender o processo e se sentirem seguros com a decisão.
O meu maior problema nessa profissão é que eu não sei ser profissional com os meus sentimentos. Eu entendo claramente que em alguém momento todos eles irão partir, assim como nós mesmos, afinal, é a única certeza que temos desde nosso nascimento. Mas acho impossível não criar laços e me apegar dos dois lados dessa troca. A parte boa é que supero e a melhor é que apreendo tudo o que posso dessas relações, guardo em meu coração todo o amor que dedicamos e me sinto grata por cada experiência. Me ajuda a ser mais forte e trabalhar contra os pensamentos ruins que me rodeiam. Me faz pensar que a vida pode ser linda e boa. Que esse mundo ainda pode dar muito orgulho. Que as pessoas podem ser melhores.
Obrigada por sempre ser tão doce e gentil conosco. Obrigada por se importar e me apoiar na escrita mesmo sem nunca ter lido nada da minha criação. Que Deus preencha o seu coração de amor e te abençoe muito. Agora, todas as vezes em que eu sorrir, irei lembrar de como isso foi importante para alguém.
Só tenho coisas boas para te desejar. Tenha um feliz natal e que cada novo ano possa nos trazer muitas novas alegrias. Grandes beijos!
Bruna Leonne
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Narrativas de uma Poetisa
Short StoryNão há uma memória que eu guarde sobre quem sou que não inclua a escrita como a minha maior paixão desde que eu me entendo por gente. No decorrer dos anos pude notar a minha evolução e a minha fome voraz por escrever sobre qualquer coisa que me fize...