Capítulo 56

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Milão,
Julho de 2023

Oi,
eu sei que não deveria. Eu sei que devia estar em casa dormindo agora.

Mas eu fiz uma loucura.

Agora eu estou sentado num banco no aeroporto de Milão, reconsiderando todas as minhas escolhas de vida e pensando até que ponto está tudo bem chegar por quem você ama.

Deixa eu esclarecer:

Ontem, a insônia me consumia por completo e vários "e se?" giravam por minha cabeça.

Eu já tinha chorado até a última lágrima que podia restar em mim e aí tudo que eu sentia era saudade. Vontade de sair correndo e abraçar Cecília com todas as minhas forças.

Mas ela estava a um oceano de distância.

Eu não sei o que me deu.

Juro que o mínimo de sensatez me governa, mas, enquanto o dia amanhecia, não tinha nada que eu pudesse fazer para controlar meu impulso de pegar meu carro e ir até o aeroporto, apenas com uma mochila com uma escova de dentes e uma troca de roupa — que eu costumava deixar pronta, já que eu viajava tanto.

Eu comprei o voo de horário mais próximo que tinha — em um dos piores assentos; lá no fundo do fundo do avião — por um preço absurdo.

Eu até teria considerado melhor a ideia de viajar se o voo não partisse em pouquíssimo tempo.

Só tive tempo de pensar quando estava sentado em minha poltrona a muitos pés do chão.

Mas tudo se justificaria em nome do amor. Estava tudo bem.

Quando eu pousei, 11 horas torturantes depois, a primeira coisa que eu fiz foi jogar o endereço do apartamento que Cecília tinha escolhido no Google Maps. Para minha sorte eu tinha salvado-o para enviar qualquer coisa pelo correio.

Chamei um táxi do aeroporto e, instantes depois, eu estava na porta daquele apartamento.

Era fim de tarde, então ela já devia ter saído do trabalho à uma hora dessas.

Eu respirei fundo e, com a pouca força que eu tinha, dei duas batidas na porta e falei que era eu.

Nada.

Bati mais duas, três, quatro vezes... Nada.

"Cecília, eu sei que você deve estar aí e que deve me achar louco por ter vindo aqui, e eu entendo isso, mas, Cici, eu fiz isso porque te amo e acho que ainda não te ouvi dizer, de verdade, que não quer me ver, então não consigo abandonar a ideia de buscar outra chance para nós dois", foi o que eu lembro de ter dito

Depois, eu sentei me encostando na porta e falei mais: "Não tem um único dia desde que você se foi que eu não pense em você. Tenho saudades de cada momento nosso. De dormir no seu sofá, de se espremer na cama para cabermos nós dois e os gatos e de dividir o meu fone, porque você sabe que eu não faço isso com mais ninguém."

Não tive resposta. Nem um único sinal.

Abri meu calendário e tive certeza de que naquele dia o aluguel já tinha começado. Ela já devia estar ali.

Talvez ela só não quisesse me ver mesmo.

Mas naquela porta eu fiquei por mais duas horas, esperando por qualquer tipo de sinal.

Eu considerei mandar mensagem para ela ou para Gigi, para perguntar se ela sabia de seu paradeiro, mas concluí que ela devi estar bem ali e só não devia querer conversar. E está tudo bem. Era sua decisão.

Eu não ia agir como um maluco e mandar mensagem para suas amigas só porque ela não queria conversar comigo.

Percebi que eu preciso deixa-la ir.

Talvez isso seja a coisa mais difícil que eu vá fazer, mas é isso que vai torna-la tão bonita, tão importante.

Então, eu voltei para o aeroporto e aqui estou eu.

Dessa vez, a passagem que eu consegui era para mais tarde. Então tenho mais algumas horas pela frente esperando.

Malu me mandou mensagem perguntando o porquê de eu não ter ido no estúdio hoje e eu inventei uma desculpa. Não quero falar para ninguém desse lapso de loucura que me fez parar em outro continente.

Daqui a pouco estarei de volta em São Paulo e vai tudo voltar a ser cinza como antes.

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