Capítulo 57

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São Paulo,
Julho de 2023

Hoje estava aproveitando minha folga assistindo um filme com meus gatos, quando ouvi a campainha tocar.

Aparentemente, Pedro inventou que seria uma ótima ideia vir na minha casa sem avisar.

Ele não tinha voltado à equipe desde que retornou a São Paulo.

Confesso que uma parte da culpa de ele não ter voltado à U.F.O era minha. Eu sentia que só de olhar na cara dele eu lembraria de meu erro com Cecília.

Então, apesar de seu talento, não tive coragem de mencionar seu nome como possibilidade de volta.

Talvez as pessoas tenham ligado os pontos e notado que Cecília tinha ido assim que ele voltou e, portanto, ninguém deu a sugestão. Parecia um assunto proibido no escritório.

Eu não o via desde a festa junina do pessoal.

Assim que abri a porta, fiz questão de guardar cada pedacinho de nossa conversa em minha mente, torcendo muito para que eu soubesse escrevê-la aqui nesse diário algumas horas depois.

"Oi, faz tempo que a gente não se fala, né?" ele disse coçando a nuca

Eu dei "oi" e concordei, depois dei espaço para que ele entrasse em casa.

Ele se sentou em meu sofá e jogamos um pouco de conversa fora. Dessas de elevador.

Era estranho ter conversas rasas assim com o Pedro. Nós sempre tivemos as conversas mais profundas que existiam. Eu sempre me senti muito livre para falar sobre tudo com ele.

Tudo isso chegava a ser deprimente.

Nenhum dos dois queria falar do motivo do peso do ar do ambiente.

Naquele momento, Pedro me fazia ter diversas memórias dolorosas. Do nossos erros passados. Dos erros que me afetam hoje em dia.

Porém, apesar de tudo isso, eu não sentia ódio ou nenhum tipo de raiva dele. Não tinha como.

Talvez meu relacionamento com Cici tenha acabado por nosso namoro passado, mas eu não podia culpar ninguém além de mim mesmo por isso.

E, então, como se ele lesse minha mente, ele disse "Soube que a Cecília foi para a Itália mais cedo".

Eu só respondi com um "é" e logo a sala ficou em completo silêncio.

Eu não tinha vontade de falar sobre ela. Especialmente com ele — por diversos motivos óbvios.

"Olha, Jão... eu sei que ela foi assim que eu voltei. Eu só queria vir aqui conversar. Quem sabe pedir desculpas, caso eu tenha sido culpado e...", ele disse quebrando a quietude, mas antes de falar qualquer outra coisa foi interrompido por mim, porque eu não precisava que ele pedisse perdão nem nada e não sentia que era certo que ele o fizesse:

"Você não é culpado, Pedro. Se veio aqui limpar sua consciência, pode ir de cabeça leve. Não te culpo."

"Não vim limpar consciência, João. Vim porque estou preocupado com você. Malu me disse que você mal tem ido ao escritório, mesmo tendo um álbum para lançar em alguns dias" ele respondeu

Eu disse que isso era só uma escolha minha. Que eu vinha trabalhando de casa. Que estava bem com isso; uma mentira.

"Você sabe que não tem como mentir para mim" ele olhou em meus olhos como se pudesse enxergar minha alma e continuou q falar "Eu sei que nos últimos anos a gente acabou por se afastar, mas eu sempre deixei claro que queria ser seu amigo. Eu ainda quero."

"Eu sei, Pe. É só muito complicado" eu me recostei no sofá com os olhos fechados e parei de falar um pouco "Ela disse que a gente nunca se afastou de verdade."

Ele ficou com uma cara de confuso e perguntou "como assim?".

"A Cecília foi embora, porque descobriu de nós dois e não foi por mim. Era para eu ter contado antes. Eu só não soube como... Antes de ir, ela disse que você e eu nunca nos afastamos de verdade. Era isso que a incomodava, no fundo. Nunca teve um momento de superação. Na verdade isso só foi acontecer esses meses, muito mais tarde do que deveria, eu acho." eu respondi.

"Foi meio que culpa minha... Eu que quis transformar o que a gente tinha em amizade o quanto antes para não te perder. Achei que fosse maduro da minha parte", Pedro disse.

Um estalo se deu em minha mente. Uma música.

"Sabia que eu tenho uma música pra isso?" eu ri, tentando lembrar o nome ela estava

"E você não me mostrou ainda por quê?" ele perguntou sorrindo enquanto se ajeitava no sofá

"Sei lá. Eu nem lembro tão bem da letra. Acho que até te xingo nela."

Abri o notas do meu celular e fui atrás da tal.

Escorpião era o nome que eu tinha dado.

Eu realmente xingava o fato de meu ex querer ser meu amigo tão cedo.

Pedro leu cada verso e ficou chocado. Acho que uma parte dele ficou meio mal, porque a letra não era das mais "fofinhas", mas gostou muito.

Seu espírito de produtor se ativou e ele insistiu continuamente em me ajudar a fazer a letra se tornar uma música completa.

Eu queria algo nessa pegada para o álbum, então concordei.

Pegamos o teclado e o violão que eu tinha em casa e fomos para um mini estúdio que eu tinha montado ali.

Passamos a tarde toda (e o início da noite também) criando a música e eu realmente gostei do resultado final.

Depois, eu pedi uma pizza e enquanto jantávamos eu fiz uma pergunta que estava na minha cabeça: "Pepê, com o que você tá trabalhando agora?".

"Ah, tô dando meu jeitinho. Fazendo alguns bicos e tal. Mas o plano é conseguir algum trabalho fixo. Já fiz várias entrevistas" ele respondeu e deu uma mordida em sua pizza.

"Você não pensaria em voltar pra U.F.O.?" eu sugeri e ele quase engasgou. "É sério, a gente precisa de você para tirar 'Super' do papel", eu continuei.

"Nem acredito!" ele disse o mais rápido possível "Claro, Jão! Com certeza!" ele sorriu de orelha a orelha

Era bom pensar em ter ele de volta aqui.
Espero que a equipe se anime com a notícia tanto quanto eu.

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