50 --- Andrew

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Desde o início da criação do mundo, humanos, para além de serem uma das criações mais esplêndidas, é a espécie que sempre estraga tudo; humanos corrompem tudo o que tocam, por mais puros que sejam. Humanos são ingratos. Humanos sempre foram contra o belo, construindo as próprias armas que o matam. Humanos sempre foram só pó e nada mais do que isso.

Eu sinto uma dor tão grande que não pode ser física, ninguém nunca sentiu essa dor dilacerante de querer arrancar a pele, o coração, me despedaçar por inteiro, mas certamente, nem mesmo isso acabaria com a dor anímica que me atinge. Eu ainda não sei quem eu sou.

Termino de colocar minha camiseta preta sem estampa, estou nem aí para o meu cabelo, há círculos rosados por baixo dos meus olhos. Tem semanas que não a vejo, eu sinto saudades, mas estou envergonhado demais para procurá-la. Pego as chaves do carro, - não queria sair de casa, - adentro o elevador e espero a caixa metálica abrir no térreo. Vou para o estacionamento e pego meu carro, em direção a empresa. Há coisas que eu preciso resolver antes de sucumbir a queimação dentro de mim.

Dirijo com velocidade radical, esporadicamente respeitando o sinal de trânsito. Foco a atenção na estrada a frente, diferentes tipos de carros e variadas cores, o mundo é assim: duas pessoas podem estar dirigindo a mesma marca de carro, mas eles sempre irão divergir em aspectos tão meros quanto a cor ou a direção - mesmo sentido, direções contrárias. - É que nem a minha vida.

Minutos depois, estou estacionando numa das minhas vagas, saio do carro e adentro a empresa, totalmente me fodendo para o olhar fofoqueiro dos meus funcionários, afinal o "acidente" de Kíria está em todos os sites e canais de entretenimento juvenil. Deixo as portas de metal se abrirem e saio no meu piso, avistando Lua em seu lugar e segurando o telefone na orelha. Seus olhos se voltam para mim e ela me olha, quase que imperceptivelmente, dos pés a cabeça.

--- Senhor Andrew, bem-vindo --- ela disse, se colocando em pé.

Apenas dou um aceno de cabeça.

--- Hum... --- paro de andar e a encaro. --- O sr. Juan está em sua sala, eu sinto muito, tentei...

--- Tudo bem --- falei.

Estou cansado demais para brigar com ela por isso, além do mais é só o Juan; eu posso lidar com ele.

Abro a porta do meu escritório, Juan está de costas para mim, provavelmente, admirando a bela vista que eu tenho do mundo daqui de cima. Eu não gosto que ele se sinta tão a vontade no meu espaço, porém, consigo ignorá-lo.

--- Você se sente o todo poderoso quando está aqui, não é? --- perguntou.

Me escoro contra a parede e enfio minhas mãos nos bolsos da calça jeans escura.

--- Eu sempre quis essa empresa, esse lugar. Esse poder --- ele disse em um tom nostálgico. --- Mas, seu pai é tão mais ganancioso que eu.

--- Você devia saber disso a partir do momento que ele tirou sua mulher de você --- eu disse.

Na verdade, minha mãe e Juan namoraram no ensino médio, talvez tivessem planos de casar, entretanto, meu pai lhe passou a perna --- mesmo sendo amigo --- e pediu a mão da minha mãe aos meus avós e, claro, eles a cederam; tudo pelo prestígio e crescimento econômico da empresa de cada família.

--- Ele não a tirou de mim --- Juan disse, e finalmente se virou para mim. --- Eu a dei para ele, entretanto, eu ainda a tenho, Andrew.

Engoli o nó na garganta e cerrei a mandíbula. Juan deu a volta pela minha mesa, parou na minha frente, encarando-me com seus olhos castanhos, que me lembram da única pessoa que nunca quis magoar, entretanto, os dela são muito mais obsequiosos.

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