Prólogo

236 22 36
                                    

Castelo de Canterlot. Reino de Equestria.

"Aonde vai dar essa estrada, quem sabe?" disse ele, sorrindo.

"Aonde quer ir?" respondeu Alice.

Os olhos de Celestia ardiam e o pulsar em seu peito não se acalmava. Em catarse, ela checou a palpitação de seus soldados. O espelho desprotegido cuspia faíscas de magia, borbulhando em estralos. Em tantos anos de reinado, nunca imaginou que presenciaria uma cena daquelas.

As palavras de Sunset Shimmer rodeavam sua mente, repetindo em voltas sucessivas. Permeavam o seu pânico como um amplificador.

—  Nenhum de seus ossos esquecerá esse erro, Celestia. Você se lembrará de mim do amanhecer ao pôr do sol. Meu sangue estará por toda a parte desse castelo se me deixar ir.

Em seus últimos instantes, escolhia fazer uso da única parte de seu corpo que não havia sido paralisada pela magia, os lábios, para propagar a única coisa que havia em seu coração: Ódio.

Afinal, Sunset Shimmer havia nascido no ódio. O bebê raquítico, encolhido pelo frio e padecendo em fome, havia sido encontrado por Celestia em uma de suas visitas filantrópicas. Foi abandonado na beira de um córrego pútrido em um município pequeno, próximo à divisa com Klugetown - cidade conhecida por seu estilo de vida individualista e seus habitantes trapaceiros.

Celestia nunca acreditou que aquela origem a definiria. Acreditando que as diferenças eram o que os unia, Celestia havia evitado quaisquer indício de guerra durante seu reinado. Sob esse mesmo pressuposto, as diversas raças de magia haviam se unido, o Império do Crystal se fundiu à Equestria e os herdeiros do reino não eram mais definidos de modo hereditário, mas meritocrático.  O repúdio à estratificação era o valor supremo que havia fundado a Nova Equestria.

Contudo, havia aqueles que faziam questão de discordar dessa virtude. De modo curioso, nunca se tratavam de nomes sem rostos. A respiração deles sempre estava a chicotear nos ombros da realeza. A princesa se martirizava por isso, se sentindo constantemente lembrada de que para levar a paz aos seus súditos era preciso sangrar a perda de seus entes mais queridos.

Esse sofrimento se provou impregnado ao sangue azul quando aquela maldição se repetiu diante dos olhos: Sunset Shimmer resistia ao impulso da magia, que a carregava ao espelho enfeitiçado.

Cadence e Shinning Armor haviam trabalhado exaustivamente no manuseio da magia obscura, adaptando o objeto para a atual finalidade: Encarcerá-la no espaço-tempo, um limbo do qual não poderia escapar e os olhos de Celestia não poderiam alcançar. Pensou que, assim, não construía martírios. Não quando sequer poderia vê-la, diferentemente da lua e da pedra.

Sunset, inconformada com a sentença que sua própria mãe havia lhe instituído, bradava:

— Está sentenciando Equestria às mãos de garotinhas que brincam de amizade aos finais de semana e jamais saberão sacrificá-las por esse reino. Não pense que encontrará alguém como eu novamente. Você, mais do que ninguém, sabe que não irá. Me preparou para que eu desse conta quando mais ninguém o pudesse e, agora, me pune por essa coragem enquanto se esconde atrás de um olhar covardemente imperturbável.

De todo aquele discurso, as palavras que conseguiram permear o escudo que envolvia o seu peito eram as irrefutáveis: A Escola de Altas Habilidades Mágicas nunca mais teria uma aluna como Sunset Shimmer. Celestia cuidaria minuciosamente para que uma fórmula tão desastrosa jamais se repetisse.

— Você é o maior engano que cometi, Sunset.

A mulher sussurrou tão baixo, que se não houvesse tanta mágoa as ligando, a adolescente de cabelos de fogo jamais teria a ouvido. Seus olhos dobraram de tamanho, transbordando em lágrimas de fúria. Celestia a devolveu com o seu olhar covardemente imperturbável.

— Não sou — Sunset afirma quando seus fios de cabelo se ergueram, começando a ser sugados pela névoa do espelho — Mas farei questão de ser.

Era tarde demais para ser quando Sunset foi sugada pelo espelho, que não tardou em explodir.

A memória recente martelava, levando os joelhos de Celestia ao seu rosto, tentando fazer cessar a dor em seus ossos. Os soluços reverberavam na pequena sala e sua tristeza resfriou cada partícula de ar do castelo. Lutou para sair daquele lugar, informar aos outros serviçais que estava bem e solicitar ajuda para os que não estavam.

Havia sido mera burocracia, uma vez que já sabia que os soldados não haviam suportado o impacto da magia. Os jornais locais logo noticiaram o atentado terrorista sofrido pela adornada governante. Nesse ínterim, Shinning Armor cuidou para que a pupila causadora sequer fosse mencionada, destruindo-a da memória dos poucos que haviam a conhecido. Sunset estava morta.

Com o passar dos anos, Celestia permaneceu vendo Luna durante as noites e Discórdia nos dias, mas era do nascer ao pôr do sol que se atormentava ao sentir Sunset em cada vibração do castelo.

Em Chamas [Livro 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora