𝑶 𝑷𝒊𝒐𝒓 𝑩𝒖𝒍𝒍𝒚𝒊𝒏𝒈

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O Sol escaldante castigava meus olhos enquanto o despertador anunciava, implacável, as 12h. Maldito primeiro dia de aula! Detesto, definitivamente, detestar chegar atrasada. Corri para a cozinha, abocanhei um cereal gelado e voei para a escola, esquecendo-me até de dar tchau para minha mãe. Ao entrar na sala, a surpresa: duas meninas novas! Uma explosão de empolgação tomou conta de mim. Sempre fui a única menina da turma, e novas amizades eram como música para meus ouvidos. Mas meu melhor amigo, Gabriel, e a novata, Victória, pareciam inseparáveis. Uma pontada de ciúme apertou meu coração. Ele era meu porto seguro, meu confidente, e agora parecia hipnotizado por ela.

Ao chegar em casa, a desilusão me dominou. Será que eu esperava que ele se ajoelhasse aos meus pés, agradecendo por eu ter continuado naquela escola? Ou talvez a indiferença dele fosse sinal de maturidade? Mas não, era apenas empolgação infantil pela novidade. No dia seguinte, tomei uma decisão: seria diferente. Me arrumei com esmero, sonhando em conquistar a atenção de Mily e Victória. Mas o que encontrei foi humilhação.

 "Ninguém te ama", "Você é feia", "Morra!" - palavras que jamais sairiam da minha memória. "Isso não é bullying", diziam todos. Meus pais, meu único porto seguro, tentavam me proteger, mas a dor já estava cravada em meu peito. O bullying não deixou marcas físicas, mas mutilou meu coração. A autoestima que antes brilhava como um sol se transformou em cinzas. Eu me tornei uma sombra de mim mesma, desconfiada, insegura, incapaz de acreditar em mim e no mundo. Em meio à escuridão, agarrei-me a uma única esperança: um dia, desafiaria o espelho e reencontraria a menina que costumava sorrir com a vida. Mas antes disso, precisaria encontrar a força para enfrentar meus medos e reconstruir meu próprio reflexo.

Os dias se arrastavam como tartarugas preguiçosas. O recreio, antes um momento de descontração, transformou-se num campo minado. Mily e Victória pareciam ter um radar para me encontrar, e suas farpas verbais nunca falhavam em atingir o alvo. Em casa, meus pais tentavam amenizar a situação. Minha mãe sugeria uma psicóloga, mas a simples ideia me dava arrepios. Meu pai, sempre pragmático, dizia que "quem bate esquece", mas como esquecer algo que te machucava tanto? Gabriel, ou melhor, Gael (como descobri que ele preferia ser chamado), sequer notava meu sofrimento. Estava completamente absorvido por Victória, que ria de suas piadas sem graça e o olhava com adoração. Sentia uma pontada de mágoa, mas também um alívio. Talvez ele nunca tivesse sido meu amigo de verdade. 

Um dia, durante a aula de literatura, a professora pediu para que escrevêssemos um poema sobre "força interior". Encarei a folha em branco como se fosse um inimigo. Minha força interior parecia ter evaporado. De repente, lembrei-me da minha avó. Vovó Gleyde, com seus 70 anos e vitalidade de adolescente, sempre dizia: "A maior força que existe está dentro de você, Jade. Basta saber encontrá-la." Fechei meus olhos e tentei me conectar com aquela força, mas só encontrei vazio. Desanimada, rabisquei algumas palavras na folha. Para minha surpresa, a professora escolheu o meu poema para ser lido em voz alta. Hesitei, mas a professora insistiu. Respirei fundo e comecei a ler. Conforme as palavras saíam da minha boca, senti uma mudança.

 Era como se um calorzinho tivesse se acendido dentro de mim. Quando terminei, A sala ficou em silêncio. Um silêncio palpável, carregado de expectativa. As palavras que eu havia escrito ecoavam em meus ouvidos, cada sílaba carregada de uma força que eu nunca soube que existia dentro de mim.

Olhei para Mily e Victória. Elas me encaravam com expressões de surpresa e desconforto. Pela primeira vez, senti que as havia abalado.Um sorriso tímidos se formou em meus lábios. Naquele momento, percebi que minha voz tinha poder. O poder de me expressar, de me defender, de ser quem eu era.

A professora me aplaudiu calorosamente, seguida por palmas tímidas de alguns colegas. Senti um calor se espalhar pelo meu corpo, uma mistura de orgulho e alívio. Ao sair da sala, me senti leve. A chuva havia parado e o sol timidamente se espreitava por entre as nuvens. O mundo parecia diferente, mais vibrante, como se eu o estivesse vendo pela primeira vez.

Naquela noite, me olhei no espelho com outros olhos. A menina que me encarava não era mais a sombra pálida da qual eu fugia. Era uma guerreira, pronta para enfrentar seus medos e conquistar seus sonhos. Saí da sala naquele dia com um sentimento novo: esperança. Talvez a jornada para me reencontrar fosse longa, mas eu não estava mais sozinha. Eu tinha encontrado um pedacinho da minha força interior, e isso era o suficiente para seguir em frente.


O bullying não é um problema apenas para quem o sofre, mas de toda a sociedade.

A Garota que Desafiou o EspelhoOnde histórias criam vida. Descubra agora