Desarranjo

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— [Nome]! — um dos homens de casaco vermelho exclamou. — Seu pai já voltou?

Neguei com a cabeça, engolindo em seco.

— Mas ele já deixou aqui — Meus olhos voltaram-se para a porta dos fundos da loja. — Pediu para vocês pegarem e transferirem a carga. A caminhonete está estacionada perto do beco.

O mais à frente dos três concordou com a cabeça, e o trio seguiu até a porta dos fundos como esperado. Na primeira chance que tive fora do radar deles, tomei impulso com os pés para mover a cadeira para trás, meus olhos direcionando-se para a parte sob o balcão do caixa, para o sujeito que tinha dado um jeito de se acomodar ali.

— Aconteceu alguma coisa? — Um dos vermelhos voltou a indagar, meu rosto se erguendo.

— Uma barata — respondi, quase de imediato, levantando os pés do chão. — Passou direto pelas minhas pernas.

— Quer que eu mate?

— Não — Neguei com a cabeça, retirando um dos sapatos e pegando-o com a mão. Curvei-me e acertei a lateral interna do balcão com a sola, os olhos azuis desviando a atenção entre o sapato em minha mão e meu rosto. — Pronto. Matei — disse, endireitando minha postura.

O último do trio meneou a cabeça antes de também sair pela porta dos fundos. Assim que sua mão a puxou, não forte o suficiente para fechá-la, fiquei de pé, apressando meus passos para dar um último empurrão gentil e, enfim, trancá-la.

Mantive minha atenção por um momento na maçaneta. Nada. Mais nada. Sons de uma conversa abafada pelas paredes e pela distância. Seguro o suficiente. Uma vez que a porta só podia ser aberta por dentro, estávamos em paz até que um dos três de casaco vermelho decidisse voltar e notasse a porta trancada.

Retornei à cadeira giratória do balcão, sentando-me e suspirando de alívio.

— Isso foi muito legal da sua parte — ele disse, os olhos azuis me encarando de debaixo da mesa, os cabelos brancos adquirindo uma tonalidade mais azulada na sombra.

— Não precisa agradecer — esclareci, suspirando, ainda dividindo a atenção entre a porta dos fundos e o sujeito debaixo do balcão. — Gosto de evitar problemas pra mim.

— Ainda assim — ele prosseguiu, deslizando para fora da área sob o balcão e pondo-se de pé. — Foi muito legal da sua parte — Bateu com as mãos nas calças escuras para fazer a poeira, um sorriso fechado nos lábios. — Obrigado, [Nome].

Concordei com a cabeça, desviando o olhar dele para a parte inferior do balcão onde ele se escondia instantes atrás.

— Tire o casaco — recomendei, observando-o pegar a cestinha de compras. Ele me olhou pelos cantos dos olhos. — Escuta, as coisas não são mais tão simples quanto você deve pensar, ninguém vai querer conversar se ver alguém de outra gangue por aqui. Não adianta se não veio procurando confusão, eles não te querem aqui.

O da Bofurin pareceu refletir por alguns instantes antes de desistir da teimosia, deixando o casaco preto deslizar pelos ombros antes de retirá-lo. Entreguei-lhe outra sacola para que o guardasse, e ele assim o fez.

— Obrigado, mais uma vez — ele disse enquanto eu o ajudava a retirar os produtos da cestinha e acomodá-los na sacola o mais rápido possível.

— Eu já… — Desviei o olhar da cestinha para o vasinho colorido que estava em minhas mãos. Ele não era o tipo de pessoa apropriado para que eu despejasse a minha dose diária de mau humor. Não havia sido nada além de gentil comigo até o momento. Pensar em não tratá-lo igualmente fazia com que eu me sentisse um monstro destruindo os sonhos de uma criança do primário. — Por nada.

Senti algo tocar minha testa, e meus olhos foram diretamente para o rosto dele. Ao notar meu espanto, sua mão se distanciou, o polegar deixando meu cenho.

— Foi mal — disse enquanto o punho retornava para dentro de um dos bolsos das calças. — É que você estava, você sabe — O rosto se contorcer em algo que concluí ser minha expressão pensativa, cenho franzido. — Minha mãe costumava massagear entre minhas sobrancelhas com o polegar quando eu fazia isso. Quando era… — Ele esboçou um sorriso fechado mais uma vez, sem graça. — Sinto muito.

— Tudo bem — contei, minha própria mão tocando meu cenho, a pele ainda sentindo os efeitos do toque breve. — Devia ir, eles estão ocupados agora, mas não vai durar muito tempo.

O de cabelos brancos concordou com um murmúrio, a mão deslizando pelos cabelos penteados para trás. Os olhos passearam pela loja por um momento, indo da porta dos fundos até a da frente, e então até mim.

— Até a próxima — disse, acenando para mim conforme seguia até a porta. — Tenha um ótimo dia.

— Espero que sim — respondi, acenando de volta.

Ele foi embora.

Meus olhos permaneceram na porta por alguns instantes.

Espero que sim.

Que resposta horrível. Espero que sim. Tentando ser engraçadinha, ainda. Espero que… Suspirei, acomodando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

Pelo menos as chances de eu vê-lo de novo depois do terror que havia enfiado naquela cabecinha eram impressionantemente baixas. Eu esperava que fossem, ao menos.

Antes que eu estivesse totalmente acomodada para de fato cair no sono, entretanto, a porta foi aberta mais uma vez.

— Umemiya — sussurrou, a cabeça e parte do tronco para dentro da loja de jardinagem, o resto para fora. — Meu nome é Hajime Umemiya.

mirrors - umemiya hajimeOnde histórias criam vida. Descubra agora