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Sinto como se minha vida tivesse começado no final de Dezembro de 2018.
Toda a minha família estava reunida em minha casa para comemorar o ano novo, faltavam apenas alguns minutos para que 2019 finalmente chegasse e eu era a única desanimada.
Sentia como se estivesse afundando e parecia que ninguém iria me salvar. Eu tentava nadar, mas cada vez que tentava, mais afundava, até perder o ar e começar a, lentamente, morrer.
Sentada em uma cadeira, afastada da falsa felicidade, eu os observava.
Minhas tias riam junto com minha mãe de alguma piada machista que meu tio fez enquanto mexia na carne que estava na churrasqueira. Meu outro tio, junto ao meu pai, tentavam cuidar de meu priminho de dois meses enquanto as mulheres, risonhas, preparavam a mesa. Minhas primas de cinco e sete anos corriam pelo quintal com os cachorros, enquanto nosso primo mais velho tentava ensinar minha avó a mexer em seu novo celular.
Suspirei, sabendo que daqui a pouco uma discussão boba se iniciaria e no dia seguinte todos voltariam a falar mal uns dos outros.
Vindo da cozinha, meu avô me estendeu uma garrafa de água de alumínio e uma nota de vinte reais, a qual peguei um pouco confusa.
- Sai um pouco e demore o quanto quiser, minha filha. -Ele murmurou baixinho e eu sorri. - Você não merece passar seu ano novo por aqui.
- E essa garrafa de água? -Perguntei, então ele sussurrou que não é água. Nós rimos um pouco por causa disso. - Vô, eu só tenho dezesseis anos!
- Na sua idade, eu fazia muito mais do que apenas isso. -Ele me lançou um sorrisinho. - Agora vai, eu te acoberto.
- Brigada, vô. -Deixei um beijo em sua bochecha. - Te amo.
- Eu também te amo, meu anjinho.
Então, eu me levantei, ouvindo o senhor Afonso dizendo aos meus pais que havia me pedido pra ir comprar uma cerveja pra ele no barzinho do Zé antes de sair pelo portão.
Andando pelas ruas da favela, eu encontrei um colega da escola com seus amigos, ele estava com uma caixinha de música em mãos enquanto cada um dos que estavam com ele carregavam alguma vasilha ou panela em mãos.
Assim que me viu, o garoto sorriu e se aproximou.
- Mari, Mari.. -Wesley murmurou divertido. - O quê 'cê tá fazendo sozinha essa hora, logo no ano novo?
- Fugindo da família. -Respondi sinceramente enquanto ele e seus amigos me acompanhavam. - E vocês, por quê não estão em casa?
- O mesmo motivo que você. -Um dos amigos respondeu.
Depois dessa breve troca de informações, eles me chamaram para ir com eles até a praça que tinha ali perto, iriam todos curtir seu ano novo longe da família.
Sinto que as crianças de nossa idade sempre estão procurando a felicidade longe da família. Eu gostaria que isso não fosse verdade, mas nossa realidade pode ser muito difícil por aqui.
Fomos todos parar na praça, tinham outros adolescentes lá e pareciam ser todos de nossa escola.
Acho que, por ser de uma família como a minha, eu não podia interagir muito com eles, mas eu sempre quis; parecem ser tão legais, tão descolados, não sei explicar.. Eles tem mais liberdade de expressão e eu acho isso legal, porque minha vida é constantemente controlada e planejada por alguém que não sou eu.
Eu nunca posso ser quem eu realmente sou, mas eles sim. Não consigo deixar de sentir uma pitada de inveja e vergonha.
Wesley e eu fomos ao barzinho do Zé, ele comprou bebidas alcoólicas e perguntou se eu queria que ele comprasse refrigerante. Mesmo que ele e seus amigos tenham uma criação diferente da minha, ele tentou fazer eu me sentir incluída no meio deles; ninguém nunca havia feito isso por mim, sempre foi eu que tive que me adaptar e me mudar pelos outros.
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I Would Kiss Your Cheek • Billie Eilish
FanfictionDe dia em dia, eu escreveria textos e mais textos de pura confissão de amor. Fiz diversas cartas na intenção de enviá-las, porém, o destinatário delas nunca esteve disponível para mim. Felizmente, eu sou persistente. E, depois de séculos e milhares...