ouço uma voz

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Passou-se uma semana desde que Minghao saiu de casa. Nesse meio tempo, fiquei me perguntando se de fato ele nunca saiu de casa. Acho que não. Sinto que tem muita história escondida e ele não quer me falar. Mas, agora, as três e meia da tarde de uma quinta-feira chuvosa e fria, o Xu tomou coragem de entrar na minha casa. Ele ainda não contou para os pais que fez amigos e que agora está saindo pelas ruas, mas tudo indica que contará essa noite.

Deitamos no tapete macio do meu quarto e observamos a janela que dava vista do porão da casa ao lado e as nuvens carregadas de água e trovões.

Ouço sua respiração.

- Eu gostaria de não sentir, de vez em quando – comentou – sentir de mais pode doer.

- Entendo.

Ele se aproximou do meu corpo e deitou a cabeça perto de meu peito, abraçando um urso de pelúcia. Um dos poucos que eu não estourei dentre as crises. O meu favorito.

- Que horas seus amigos chegam?

- Em breve. Sabe o que vamos fazer hoje? – virei-me para olhar seus olhos e o vi negar – pipocas. E assistir um filme.

- Eu adoro filmes! As vezes vejo um ou outro no notebook da minha mãe. São incríveis. Pesquisei certa vez sobre um cineasta muito famoso. Gosto muito de uma de suas obras... A noiva cadáver!

- Está falando do Tim Burton?

- Ele mesmo!

- Uau... eu não esperava que gostasse de cinema. Por acaso já foi ver um filme no cinema da cidade, Minghao?

Ele se aquietou. Parecia pensativo, ou nervoso. Voltou a olhar para a janela.

- Fui uma vez. Quando era pequeno... mas, comecei a desenvolver meus dons e nunca mais fui.

Ok, então ele já saiu de casa. Mas, não vou comentar sobre por agora. Soonyoung e Chan acabaram de chegar e já estão fazendo a festa. Ainda bem que meus pais não estão em casa, eles com certeza teriam muita dor de cabeça por conta dos gritos de Chan.

- Senhoras e senhores! Tenho a honra de apresentar para vocês o filme mais assustador dos últimos tempos! – retirou o CD da mochila – Magico de oz! Acalmem-se, acalmem-se... é uma versão macabra que eu encontrei na loja pirata que tem lá na rodoviária – riu de forma sínica – já assistiu, Haohao?

- Já li o livro.

- E por acaso tem algum livro que você não leu? – perguntou o Kwon.

- Sim. Estou esperando o Junhui escrever seu romance trágico, assim estarei com minhas leituras em dia.

Ele não fez isso...

- Como é!? Wen Junhui vai virar escritor!? – gritou o Lee.

- Não eu...

- Vai ser sobre o que dessa vez? Garotinhas em apuro? – caçoou o Kwon.

- Ou sobre aquela mulher que viajou no tempo atrás de um cientista – disse o outro rindo.

Não vi graça nas piadas. Minghao ria, mas era pela minha feição irritada. Eu disse pra ele que queria algum dia escrever um livro... mas, ele adorar caçoar de mim. Adora me tirar pra merda. Ele sempre me olha com aquele sorrisinho inocente, aquele olhar que brilha, e eu otário caio direitinho na sua ladainha! No fundo, Xu Minghao é apenas um adolescente muito filho da puta.

- Calma, Junhui. Foi só uma brincadeira.

- Pois eu não gostei.

- Tá, tá, foi mal – revirou os olhos.

Depois de fazermos as pipocas, fomos para a sala onde a TV era maior e sentamos cada um em uma poltrona. Menos o Xu. Ele sentou ao lado do Kwon e fez questão de ficar bem pertinho para poder soltar comentários impertinentes durante o filme. Nossa senhora, como pode uma pessoa me irritar tanto? Não quero que ele fique perto dos meus amigos! Meus amigos são apenas meus! E Xu Minghao não tem o direito de rouba-los de mim!

Então de repente, no ápice do filme, ele me olha. Como se quisesse se comunicar. Minha cabeça começa a doer...

"Junhui..."

Ouço um ruido. Mas, não era nada, era apenas a chuva lá fora.

"Junhui...", e a voz mais uma vez. Olhei para o Xu e percebi que era ele. Estava falando comigo. Da mesma forma que ele apareceu para mim repentinamente quando invadi sua casa, agora ele aparece nas vozes da minha cabeça. E eu o respondo com uma pergunta. "É você?".

E não houve respostas. Ele desviou o olhar e voltou a conversar com Soonyoung. Não ouço mais a voz... apenas os ruídos impertinentes que assolam pela casa toda. Isso tinha parado desde que conheci Minghao. Aquele barulho persistente, mas aos poucos vou precisando mais uma vez ter que usar os abafadores mesmo estando dentro de casa ou no meu quarto.

A pipoca acabou. Peguei os potes e fui até a cozinha para enche-los, mas acabei me distraindo olhando o quintal que molhava tão serenamente.

Ouço paços.

"Junhui...", e de novo...

- Junhui.

- Minghao – assusto-me ao sentir ele tocar minhas costas.

- O Chan dormiu... e o Soonyoung parou de assistir o filme para mexer no celular. Não queria ficar lá sozinho.

- Ah... tudo bem, eu vim buscar mais pipoca – falo enchendo os potes – você está gelado... quer um moletom?

- Não precisa, eu estou bem.

- Não está não – toco em suas mãos e sinto-as gélidas – vou ver algo pra você se aquecer.

- Junhui – me parou antes que eu subisse as escadas atrás do moletom – tá tudo bem, eu acho que só quero ir pra casa... tá ficando tarde e meus pais chegam em breve.

- Tem certeza?

- Uhum.

Olho os dois garotos na sala e percebo que ambos não estão nem aí. Então, pego um guarda-chuva e vou até a porta com o Xu, mas antes, por pura insistência minha, coloco meu casaco sobre o corpo dele, que resmungou, mas teve que aceitar.

Caminhamos até a porta coberta da casa ao lado.

- Eu gostei muito do filme. Digo, não do filme em si, o filme era uma merda, o gosto dos seus amigos é péssimo.

Acabei rindo.

- Eles nem gostam de musicais... são fãs de quadrinho e filmes de super-heróis. Eles apenas procuraram aquele filme porque tinha relação com um livro que você provavelmente já leu. E realmente leu.

- Junhui – sorriu – eu odeio esse livro.

- Sério? – ri mais uma vez – que droga... mas, eles só queriam te agradar.

- Tudo bem, eu entendo.

- Tá ventando, acho melhor você entrar.

- Tá bem.

- Tá bem...

Droga, eu tô tímido agora. Ele tá me encarando. O que ele quer? Tipo, meu deus, ele vai beijar minha bochecha de novo? Eu já me acostumei com isso agora, não fico mais daquele jeito. Ah! Estou começando a ficar com calor. PORRA! O que eu faço? Acho que não é o que eu tô pensando... não, não, não, É EXATAMENTE O QUE EU TÔ PENSANDO! Mas...

A luz que ilumina a porta da casa está começando a sobreaquecer, como se tivesse algo controlando-a.

Essa nossa aproximação superaqueceu a lâmpada. Agora temos que nos afastar, ou ela vai explodir.

- Que estranho... – ele comentou – Bom, tchau, Junhui!

- Tchau...

E ele entrou para dentro se olhar pra trás. 

carpe diem - junhaoOnde histórias criam vida. Descubra agora