Capítulo 1

270 23 20
                                    

                           Bill Skarsgard
                         

Eu acreditava nas palavras escritas por ela, mas não acreditava nela. Com um comportamento questionável, uma expressão indescritível e uma enorme solidão dentro de uma sala preenchida por centenas de pessoas, que assim como eu, acreditavam nas palavras escritas por ela. Lissa não passava de mais um de seus vários personagens criados através da sua criatividade obscura para convencer à todos nós o qual formidável eram seus sentimentos pela sua maior obra de sucesso, quando tudo que sentia por ela era indignação.

Confesso que precisei sentar na última fileira pela oitava vez, para então, perceber o comportamento manipulado através da postura focada dentro de um blazer preto e uma camisa fina o suficiente para marcar seus mamilos através do tecido. Não que Lissa tenha notado, essa sua versão profissional jamais usaria uma vestimenta consideravelmente mais provocativa do que seu batom vermelho.

Algum burburinho na fileira da frente desconectou minha atenção da conversação entre a Lissa autora profissional e a jornalista de cabelo azul com óculos intelectuais. Duas garotas riram um pouco alto para chamar minha atenção, a tela de um celular iluminando ambos os rostos unidos na direção da tela, foi quando a imagem cruzou meus olhos. Era um vídeo pornográfico, mas meu coração disparou quando percebi que a mulher cavalgando sobre o homem era Lissa.

Foi como se o chão tivesse sido arrancado dos meus pés. Não pela cena complexa relatada no vídeo, mas sim, pela piada que estavam fazendo através dela.

— Então, a pergunta que não quer calar... — a jornalista insinuou — qual a probabilidade do par romântico de sua protagonista ter algum tipo de relação com um dos homens mais perigosos da América do Norte?

— Como assim? — Lissa questionou como se não soubesse a origem da pergunta.

— Bill Skarsgard, o maior assassino em série no mundo inteiro. Há boatos de que seu personagem, foi baseado em Bill, — a jornalista continuou — isso é verdade?

Meus olhos abandonaram a tela na fileira da frente e se conectaram à Lissa novamente. Aquela jornalista havia ultrapassado o limite que nenhum outro em sua posição conseguiu atravessar sem se sentir intimidado, e com certeza ela se tornaria a pior experiência pública de Lissa.

— Eu não... — Lissa soltou — eu não sei os motivos que levam as pessoas à pensarem nisso.

— Realmente não sabe? — outra pergunta surgiu — Além da fisionomia do seu personagem ser completamente semelhante à do criminoso, suas vítimas são mortas da mesma forma que encontraram todos trezentos corpos masculinos do qual Skarsgard enfiou uma faca em suas traquéias. Eles têm os mesmos olhos cinzentos enigmáticos, e uma mesma tatuagem gigante nas costas...

A mão de Lissa tremeu um pouco quando ela levou o microfone para perto da boca, suas pernas cruzadas se apertaram um contra a outra de forma que eu quase conseguia ouvir seus ossos rangendo contra a pressão, seu pé erguido em um salto fino balançou um pouco no ar. Ela não tinha nenhuma resposta pronta para aquela pergunta, que jurou à si mesma que nunca seria mencionada pessoalmente. Achou que aquela teoria que movia milhares de leitores jamais sairia de uma hashtag no twitter.

— Eu realmente queria ter um tempo para pensar em uma resposta reconfortante. — ela soltou, seu dedo indicador batendo de forma inquieta no microfone poderia mandar simplesmente sua unha postiça pelos ares — Mas não há uma escapatória para essa situação quando centenas de leitores me encaram com expectativas... — seu sorriso fazia suas bochechas doerem, eu percebia pela forma que tremiam querendo rescindir — sim, meu personagem foi inspirado no assassino mais terrível da história. Sinto muito em desapontar meus leitores com isso.

Uma agitação se alastrou pelos leitores ao meu redor, mas novamente meus olhos avançaram para a fileira da frente. Era Lissa na merda do vídeo, sem dúvidas.

— Espera, espera! Ela acabou de confessar! — a jornalista cantarolou.

Meu cérebro completamente confuso sobre qual realidade pertencia. A guerra entre a exposição de Lissa em uma rede social, contra a guerra que foi ouvi-la confessar sua maior inspiração em minha pessoa.

Não deveria ser uma maledicência seu personagem ter sido inspirado em mim, quando era eu quem estava dentro dos pensamentos dela naquelas noites apreensivas das quais Lissa se perdia em toda ilusão de ser alguém que jamais poderá ser, mas principalmente, de amar alguém que jamais será capaz de amar. Eu estava sendo descrito por cada linha sublime de um livro imoral em formato de crueldade. Era um homem implacável, da forma que deveria ser e nada daquilo parecia errado quando era Lissa quem manipulava as situações.

Mas ela jamais poderia imaginar que eu a assistia se confessar como se aquele fosse seu maior crime diante da sua mortal penitência. Ela odiaria ter que admitir que toda sua atração era alvo de obsessão por um assassino que abraçou a morte por tantos anos.

Lissa erguia metade de sua farsa, mas a outra metade havia confessado tudo que sempre desejei que confessasse quanto eu mesmo estivesse diante dela em um confronto contra sua própria fixação.

As meninas segurando o celular diante de seus rostos na fileira da frente escorregaram para fora de seus assentos, levando seus corpos através do corredor que dava acesso à saída. A entrevista de Lissa não lhes parecia mais tão agradável quando uma chance de envergonha-la estava diante de suas mãos em um aparelho digital.

Senti a pressão forte no tornozelo esquerdo quando a tornozeleira alastrou um pequeno movimento de eletricidade para a minha pele. Era um aviso prévio de que meu tempo estava acabando, eu nunca me importei com o precisar voltar, mas nunca houveram obstáculos na vida de Lissa dos quais eu precisasse quebrar para que ela ficasse bem.

Eu levantei sem chamar a atenção no canto mais escuro, e segui as meninas pelo corredor do anfiteatro. Suas risadas aumentaram conforme se distanciaram da entrevista de Lissa, eu não tinha planos e tinha medo de obtê-los em meus pensamentos.

Elas pararam a caminhada e olharam uma para a outra enquanto riam sem noção alguma do quão ruim pareciam diante da situação de vulnerabilidade de outra mulher vítima de uma exposição que comprometeria sua saúde mental e carreira profissional para o resto da vida.

— Com licença, vocês sabem onde fica o banheiro? — eu disse com um sorriso no rosto. Elas me analisaram como se eu fosse inofensivo demais para elas, até que percebessem meu movimento singelo de erguer a armadura de meus óculos intelectuais sem grau algum na altura certa do nariz.

Se Lissa estivesse na pele delas, certamente reconheceria a curvatura perto de minha bochecha quando finjo um sorriso, a forma que meu queixo treme quando não é real. Ela costumava citar em seus livros, como se aquele fosse mais um dos milhares detalhes que ela havia estudado sobre a anatomia do meu corpo, como se realmente fosse capaz de conhecer-me apenas por matérias de fóruns na internet.

Após uma análise quase que um tanto sarcástica inalando um ar de superioridade, a menina de pele mais clara sacudiu seu celular na mão e apontou para o final do corredor.

— Posso te levar até lá. — sugeriu com a voz tornando-se mais suave conforme tentava ser meiga para um flerte.

— Eu adoraria. — apostei em meu sorriso mais bonito.

Pesadelo (Bill Skarsgard)Onde histórias criam vida. Descubra agora