mudança ruim e repentina

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— Achei que fosse mais sagaz, pois, confie em mim, um palpite de sorte nunca é mera sorte. Há sempre talento envolvido.

—Ah! Certamente — exclamou Emma —, é sempre incompreensível para um homem que uma mulher rejeite qualquer proposta de casamento.

·˚.

No dia 6 de abril de 1812 — dois dias antes de completar 33 anos —, graças ao primeiro baile da temporada, Amaury Lorenzo teve seu mundo virado de cabeça para baixo.

E foi glorioso.

O primeiro baile da temporada estava prestes a começar e, como de costume, Amaury seria arrastado por sua mãe, a Viscondessa Viúva Fátima, a fim de encontrar pretendentes. Era compreensível, considerando que ele era o filho mais velho do filho mais velho e ainda não havia sequer se interessado em algum arranjo.

Apesar de alguns considerarem que ele já estava em idade avançada para isso, outros achavam que ele estava no auge. Não era para menos, já que possuía uma aparência impecável, com a pele escura e cabelos cacheados, sempre arrancando suspiros de mães loucas para casar suas filhas e filhas loucas para que os planos das mães dessem certo. Além de um sorriso libertino e um dom especial para conversas afiadas, que conquistava qualquer um que o desejasse.

Porém, naquele dia, estava pouco disposto a conversar. Tinha tido um dia cheio, considerando ser o responsável por uma família com três moças em pleno debut. Era de se imaginar que teria muita responsabilidade para casar sua irmã mais nova e suas duas primas que, por obra do destino, debutariam juntas. As três.

Deveria ser proibido que tantas estreias ocorressem simultaneamente em uma família.

Era a quarta ou quinta dança da noite, e ele estava irritado. Após tantos anos frequentando bailes da alta sociedade, estava quase desejando se casar apenas para que esse dever finalmente terminasse. Não podia culpá-las pela sua irritação, embora a falta de assunto frequentemente encerrasse suas conversas afiadas, já que as damas tinham pouco a dizer além de falar sobre si mesmas. Novamente, não podia culpá-las, afinal, eram treinadas para isso.

Quando a dança — que parecia interminável — chegou ao fim, o visconde se retirou do salão. A casa da Lady Martins sempre sediava os primeiros bailes, e ele conhecia o lugar até demais, pois frequentava-o sempre com sua mãe, esta que parecia ter um gosto peculiar por fofocas, assim como a matriarca da casa.

Ao entrar no corredor que sempre seguia após inúmeras danças apenas para apreciar sua própria companhia, foi surpreendido por uma figura completamente desavisada que, por obra do destino, esbarrou nele.

Tudo aconteceu tão rápido que o visconde simplesmente não entendeu como, em um minuto, você está perfeitamente vestido pela melhor modista do país e no segundo seguinte tem o tecido manchado. O líquido gelado que estava no copo da figura simplesmente derramou-se nas roupas de Amaury, fazendo-o instintivamente esbravejar.

— Por Deus, o que... — xingou, soltando alguns palavrões alto, enquanto sentia o cheiro forte de licor.

— Ah, pelos céus, senhor! Mil desculpas! — o desastre em forma de rapaz à sua frente parecia genuinamente arrependido. Inicialmente.

Amaury se deu conta de que aquele rosto não lhe era estranho ao desviar os olhos da camisa manchada para o portador da bebida dos infernos, porém, tinha plena certeza de que nunca havia visto aquele homem antes nem mais nem menos desajeitado. Era menor que a maioria dos rapazes e parecia mais jovem que ele, com cabelos ruivos em um tom mais cobre chamava atenção. Vestia verde-musgo, o que fez Amaury reparar — contra sua vontade — que o tom contrastava perfeitamente com sua pele clara.

Pela coloração das bochechas, Amaury chutaria que ele estava bêbado. Não, talvez ainda não, mas definitivamente alegre.

— Na próxima vez, preste mais atenção, senhor!

— Ah, alto lá! — exclamou o rapaz, que repentinamente foi tomado por uma pequena fúria. Amaury notou que, apesar do inglês impecável, havia um certo sotaque francês ao falar, o que o tornava ainda mais irritante. — Foi um acidente! Eu posso pagar pela lavagem do terno, mesmo que eu ache que ficou melhor assim. Esse tom de azul definitivamente é horrível!

— Como é que é...? — a mesma fúria que tomou o ruivo tomou Amaury, que já não estava em um bom dia. — Você derruba bebida em mim e ainda faz uso de sarcasmo?!

— É um dom. — o menor deu de ombros, num tom irritante que fez Amaury suar.

— Está sendo condescendente de propósito?

— E o senhor está sendo desagradável de propósito?

Provocou o desconhecido, no mesmo tom. De onde diabos saiu aquele homem? O mais velho respirou uma. Duas. Três vezes.

— Chega! — ele passou pelo rapaz, esbarrando de propósito em seu ombro e tomando o caminho pelo corredor.

— Na próxima, busque se vestir um tom mais vinho, carmim talvez! — gritou. — DEVE COMBINAR COM SUA CARA RAIVOSA!

E foi aí que Amaury Lorenzo explodiu.

Conhecido por ser sempre gentil, encantador e galante, o homem naquele corredor, o visconde, o patriarca de uma família da alta sociedade, foi reduzido a um mero adolescente.

Ele deu meia volta, caminhou a passos pesados até o rapaz, tomou o copo de licor de sua mão e, como um garoto de sete anos, despejou o líquido na cabeça do desconhecido.

O menor apenas abriu a boca, atordoado. Não sabia se o que havia acabado de acontecer era ou não real. Não conseguiu esboçar nenhuma reação. Nunca havia visto pessoa mais mal-educada em toda alta sociedade!

— Passar bem, senhor!

Dizendo isso, Amaury partiu, muito satisfeito com suas ações.

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