o que fomos faz parte daquilo que somos

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◜uma mente, uma vez expandida por uma nova ideia, jamais volta ao seu tamanho original◞

— jane austen.

·˚.

02 DE MARÇO DE 1799
treze anos antes

A primavera havia começado mais cedo naquele ano, então Diego recebia suas aulas no jardim. O professor de Latim, com seus óculos enormes e uma carranca, tentava fazer o jovem, que era um tanto hiperativo, prestar atenção pelo menos nos verbos.

O Lorde Martins era muito exigente em relação aos estudos do filho, então ao fim daquela tarde certamente exigiria um pequeno relatório das aulas. Mas Diego não se interessava por latim, não entendia como poderia se interessar por uma língua que já não usavam mais e, pior, nem era a língua mãe de sua própria língua. Não tinha interesse nenhum por isso.

Naquele dia específico, estava agitado; queria que a aula acabasse logo para poder correr para seu quarto e ler.

Sim, ler.

Duas semanas antes, seu tio Ed voltara de uma viagem pelo continente e trouxera para ele muitos livros novos, diferentes e alguns contos. Muitos contos foram escritos por pessoas anônimas e escritores em ascensão. Alguns eram sobre o universo, outros eram romances, todos fascinantes.

No entanto, havia um em específico com o qual ele verdadeiramente se apegou. Escrito por um autor anônimo, o romance contava a história de dois homens que, juntos, decidiram desbravar a América. O romance era um tanto explícito, com cenas que continham muitas carícias e um amor platônico, secreto e proibido.

Diego imaginou que seu tio não sabia que no pequeno baú continha romances assim, e ele próprio ficou hipnotizado — inicialmente horrorizado — com tantos detalhes. Mas depois... Bem, seu corpo passou a reagir ao que lia.

Era jovem e havia tido poucas experiências com meninas, então não sabia exatamente o que deveria sentir por elas. Lia contos semelhantes a este, porém com casais onde o homem e a mulher são felizes para sempre após muitas cenas também explícitas, mas não sentia o que sentia quando lia os "proibidos".

Não demorou para Diego entender que era diferente.

Naquela tarde, após se livrar do professor, ele foi para seu quarto. O baú sobre a cama aberto revelava muitos universos, e ele estava completamente imerso em tudo que lia. Eram muitos contos, alguns "proibidos" e outros não, então não se deu conta quando seu pai, o Lorde Martins, bateu três vezes na porta.

Quando o jovem viu o pai abrir a porta de seu quarto, um grande pânico tomou conta dele. Estava com um dos contos na mão, mas havia outros sobre a cama, espalhados.

— Boa noite, Diego. — o pai entrou no quarto, trazendo consigo uma aura imponente.

Lorde Martins era um homem alto, com barba espessa e cabelos ruivos. Sempre com a cara fechada, sempre trazendo consigo exigências e expectativas. Diego nunca ouviu o pai sequer rir, ou apenas sorrir. Era frio, fechado, quase uma montanha. E sob a luz das velas espalhadas pelo quarto, Diego o via de forma sombria.

— Boa noite, pai. — a voz quase falhou. Diego abaixou lentamente o conto, colocando-o sobre outro ao seu lado.

O garoto estava sentado na janela de seu quarto, e dali, podia observar o quanto seus segredos estavam expostos sobre a cama no meio ao cômodo. O pai passou os olhos pelo quarto, como quem avalia um campo de guerra. E de fato, o olhar carregava certo tom, já que havia servido ao exército durante alguns anos.

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