Penélope Alles
Sábado, 9h23, São Paulo, Cafeteria Nobres Grãos.
- Certo, mais alguma coisa?
"Ham... É... Você pode trocar o café pingado por um cappuccino?"
Os indecisos são os piores.
- Claro... Algo mais?
"Não, obrigado."
Um clique na tela é o necessário para enviar a ordem para a cozinha. Às nove horas da manhã, num sábado da capital paulista, já dei muitos cliques, incontáveis e repetitivos. É possível, até mesmo, prever os pedidos dos clientes, alguns um pouco familiares, outros jamais memoráveis, pois nunca mais voltarão. Estes dirão: "Nobres Grãos? Ótima padaria, poderia voltar lá um dia desses.", mas não voltam. Outros, familiares, como o Sr. e Sra. Antunes Lacerda, costumam aparecer vez ou outra, nos chamam pelo nome e pedem as mesmas coisinhas de sempre. Ela pede um salgado assado de presunto e queijo, acompanhado de um suco de laranja ou abacaxi, em mudanças repentinas de humor, coxinha ou pão de queijo, talvez um suco de caju. Já ele, sempre com sua camisa polo, calça jeans feita quase que sob medida e um passo mais fundo que o outro, gosta de café pingado e sucos variados, em especial, o de acerola e, para comer, varia entre pães de queijo e chipas, misto quente e até mesmo pão de frios. "São macios e bem recheados!" diz ele sempre que pede alguns para viagem sob justificativa de terem netos numerosos e uma casa movimentada. Quando digo netos, também digo herdeiros.
São detalhes que acometem a vida de pessoas como eu quando se trabalha durante tanto tempo no mesmo lugar, embora, atualmente, me deixe nos extremos aborrecimentos por causa de tanta repetição. Acordar, trabalhar na padaria, dormir. Esse é o ciclo desde sempre, ainda que a faculdade.de direto e a aprovação da OAB tivessem prometido para mim que a promotoria já guardava meu nome. O capitalismo passa à caneta nas palavras que os sonhos escrevem à lápis. Nesse processo, muito se é perdido, na verdade, quase tudo.
Era isso que se passava pela minha cabeça numa corrente fugaz de pensamentos. É efêmero o silêncio que eles instalam por breves instantes, porém, é o que me mantém sã enquanto centenas de pessoas estão fazendo seus pedidos e os talheres tilintam nos pratos e xícaras como beijos musicais na melhor porcelana da capital. Isso até um grupo de adolescentes como outro qualquer, isto é, maníacos fanáticos com cheiro de hormônios desregulados escolhendo entre ficar com todos ou ficar com ninguém, atrair minha atenção ao pedir para aumentar o volume da televisão. Elas estavam impacientes, revezando os olhares entre mim e seja lá o que estivesse transmitindo, quase que tomando o controle da minha mão e aumentando elas mesmas o quanto gostariam. Assim o fiz.
Com um hiato na chegada incessante de clientes, pousei os olhos na TV e dediquei um pouco de atenção ao programa. Era o canal no qual deixávamos passando todas as manhãs devido à programação variada e jamais cansativa. A imagem em alta resolução desenhava, entre uma multidão histérica, um dos nomes mais populares do cinema brasileiro, atualmente. A repórter lutava para manter-se entre a legião de pessoas hipnotizadas por alguém que ainda não era possível reconhecer por conta de tanta gente. Estavam quase pisoteando a jornalista.
"Estamos ao vivo do aeroporto de Guarulhos, aguardando a chegada de Lyra Alencar. Os fãs estão fora de controle, temos placas, câmeras, flores, todo tipo de coisa para receber a atriz em terras brasileiras depois de tanto tempo fora."
Antes que ela pudesse continuar, uma onda ainda maior de tumulto e gritaria literalmente derrubou-a no chão e me arrancou um pequeno riso pela reação dela, mas nada demais. Logo em seguida, quatro homens fortes e robustos, vestidos com ternos ajustados ao seu porte físico e com direito à gravatas, sapato social e aqueles comunicadores que usam nos ouvidos, emergiram na multidão furiosos. Eram verdadeiros monstros abrindo caminho para a tal garota, a qual vinha entre eles com uma mochila nas costas, óculos escuros na cabeça, e papete nos pés, dessas que parecem calçados feitos com nuvens de tão fofinhas que são. Ela trazia no rosto um sorriso sincero e gentil e mãos ocupadas com canetas e presentes que lhes foram dados desde que ela saiu do avião, aparentemente. Assinava papéis, tirava fotos, piscava freneticamente com as luzes de flashes que atordoavam seus olhos, mas não deixava de sorrir com tudo aquilo, tecendo uma malha sentimental de gratidão e endorfina. Por fim, ela agradeceu e saiu do foco da câmera, fazendo com que o cenário trouxesse de volta a sobriedade do estúdio.
"Vocês não são pagos para ficar assistindo essa gentinha famosa na TV, não"
Quando o capeta não vem, ele manda o secretário.
"Tem muita mesa para atender e limpar, se tiver cliente reclamando, é do salário de vocês que vai ser descontado." - ele murmurou de novo.
Não há hesitação que me mantenha parada quando ele começa com seus murmúrios e reclamações diárias sem fim. Tomei, em mãos, o pequeno talão de pedidos, tal qual faziam os incas, maias e astecas, e, a passos ágeis e silenciosos, poupei minha paciência e meus ouvidos colhendo mais incontáveis pedidos naquela manhã.
Só mais um dia entre tantos outros.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Licor de Menta - Richard Ríos, Joaquín Piquerez e mais.
FanficO Rio de Janeiro via de perto o retorno de sua filha mais nobre. Lyra Alencar, a atriz carioca mais famosa fora das terras brasileiras estava de volta para divulgar sua mais recente produção sob boatos de viver um suposto affair com Joaquín Piquerez...